A Sesa (Secretaria de Estado da Saúde) foi obrigada a desembolsar R$ 215,5 milhões no ano passado para custear medicamentos a pacientes que entraram com ações na Justiça para conseguir remédios em todo o Paraná. O orçamento da assistência farmacêutica gira em torno de R$ 740 milhões ao ano. As demandas judiciais representaram, portanto, quase 30% do valor investido em medicamentos em todo o ano passado e atenderam 4,5% do total de usuários beneficiados pela assistência farmacêutica.
Farmácia da Regional de Saúde em Londrina: estado fornece gratuitamente medicação para tratamento de mais de 90 tipos de doenças | Foto: Gustavo Carneiro – Grupo Folha
“A maior parte das demandas da judicialização da Saúde não vem dos pobres. Porque o pobre também não tem acesso à Justiça. Quem judicializa a Saúde são habitualmente as famílias mais abastadas, não as miseráveis que tentam entrar pela porta da Defensoria Pública”, analisa Carlos Rodrigues da Silva Filho, médico especialista em saúde coletiva.
Rodrigues pondera que não há dúvidas sobre a dor e o sofrimento, por exemplo, de quem tem uma doença rara e, não tendo os recursos disponíveis no serviço público, acaba recorrendo à Justiça. “Mas na maior parte das vezes você demanda o Estado via judicialização não em circunstâncias como essa, mas em casos de medicações novas que acrescentam muito pouco em efetividade em comparação àquela habitual e mais barata e que acresce o preço em 10 vezes”, destaca.
O médico dá o exemplo da retocolite ulcerativa, uma doença inflamatória intestinal que sempre apresenta novidades nas medicações imunobiológicas. “O laboratório faz a visita aos consultórios e apresenta o novo remédio, deixando amostras grátis. O médico passa a indicar esse novo remédio do qual ele recebeu uma amostra grátis para um paciente em particular e depois não consegue sustentar o tratamento porque só tinha uma unidade. E daí o paciente tenta que o SUS pague o restante do tratamento.”
Na prática, o especialista diz que o serviço de Saúde recebe a demanda judicial para que passe a oferecer esse tratamento que acrescentou pouquíssima efetividade. “Somente 2% ou 3% de efetividade a mais em relação ao tratamento anterior, mas que ampliou em 10 vezes o custo por um medicamento que o SUS ainda não incorporou.”
Rodrigues acrescenta que a judicialização é um drama que pode levar o SUS à falência. “O serviço público tem que tornar as medicações disponíveis apenas nos casos que não responderiam a tratamentos mais baratos e igualmente efetivos ou pouco menos efetivos do que esse extremamente caro”, conclui.
ÚLTIMA OPÇÃO
O advogado especialista em direito à saúde Luciano Brandão considera que o ideal seria o paciente resolver a dificuldade de acesso a remédios junto à rede pública pela esfera administrativa e que o Poder Judiciário deveria ser a última opção. “Na prática, a burocracia frente à urgência das questões relacionadas à saúde torna inviáveis as providências administrativas”, pontuou.
Brandão acrescenta que a maioria das pessoas imagina que processos judiciais nesse caso são demorados. “É importante esclarecer que, em questões relacionadas à saúde, a Justiça acaba sendo a forma mais rápida e eficaz de garantir o efetivo direito. Em muitos casos, liminares para acesso a medicamentos e tratamentos são concedidas pela Justiça em até 48 horas”, destaca.
ATENDIMENTOS
A Secretaria da Saúde do Paraná afirmou que, em 31 de dezembro de 2021, havia 15.862 pacientes com cadastro ativo para recebimento de medicamentos por determinação judicial. Por outro lado, havia outros 341.871 pacientes com cadastro ativo junto à secretaria para recebimento de medicamentos contemplados na política pública, mais especificamente remédios do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica do SUS – atendimentos de rotina.
O valor financeiro referente à distribuição de medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica em 2021 foi de R$ 524,8 milhões, ante R$ 215,5 milhões por força judicial.
A pasta acrescenta que a Assistência Farmacêutica da Secretaria Estadual de Saúde é considerada “referência em nível nacional na organização do serviço farmacêutico, fornecendo gratuitamente medicamentos para mais de 90 tipos de doenças”.
“Temos um grupo que faz uma relação direta com os juízes federais, juízes estaduais, Ministério Público e na Secretaria de Estado da Saúde. Criamos um núcleo de acompanhamento da judicialização dentro do gabinete do secretário. Esse núcleo dialoga com o Ministério da Saúde de maneira recorrente e acompanha as demandas que vêm do judiciário. O SUS existe para atender a todos, então a ponderação sempre é importante”, declarou o secretário de Estado da Saúde, Beto Preto.
A reportagem tentou obter dados junto à Secretaria Municipal da Saúde para saber sobre a realidade da judicialização em Londrina, bem como os gastos judiciais desde 2016 e o número de pacientes beneficiados em 2021 com a judicialização da Saúde, além dos tratamentos e medicamentos oferecidos pela pasta na rotina. No entanto, não obteve retorno para nenhum dos questionamentos até o fechamento desta edição.(Colaborou Vítor Ogawa/Reportagem Local)
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