PETRÓPOLIS, RJ (FOLHAPRESS) – A cada meia hora, uma nova família sobe o morro coberto de mato. Aos poucos, os buracos recém-cavados vão sendo preenchidos. A tarde no Cemitério Municipal de Petrópolis seguiu assim nesta quinta (17), dois dias depois da chuva que arrasou a cidade e matou ao menos 117 pessoas.
Por volta das 15h, foi a vez de um caixão grande marrom e dois pequenos brancos. Era a mãe, Débora Lichtenberger Moreira, 22, e os dois filhos: Gustavo Lichtenberger Rodrigues, 5, e Heloise Lichtenberger Rodrigues, 2.
O pai mancava com a ajuda de uma muleta porque, segundo a amiga Daniele Descheper, 27, havia sofrido um acidente de trânsito alguns dias antes. Soube da morte de toda a família quando ainda se recuperava no hospital.
Débora foi encontrada como se mexesse no celular quando o muro de concreto de sua casa caiu sobre ela com a força de uma tromba dágua, diz Daniele. O menino mais velho ainda chegou a ser levado ao hospital com vida, mas não resistiu. “Estava irreconhecível”, afirma a amiga.
Os três foram atingidos juntos por volta das 17h30, enquanto estavam tentando se proteger dentro do único quarto que desabou, segundo o cunhado Gerson Souza contou ao site UOL.
Moravam no bairro Moinho Preto, que de acordo com a amiga não é considerado uma área de risco, mas teve uma das ocorrências mais graves registradas pela Defesa Civil naquele dia. Nas redes sociais, Débora exibia fotos com as crianças e se declarava: “Meus filhos, minha vida”.
Logo depois, chegava outro carro funerário. Depois outro, num cortejo que se estendia pela rua do cemitério. No imóvel amarelo da esquina, parentes e amigos se abraçavam numa rampa de acesso às quatro ou cinco salas de velório, todas lotadas.
A prefeitura descartou a possibilidade de fazer um grande enterro coletivo, “para respeitar a programação dos familiares”, e agendou um a cada cerca de 30 minutos. Reforçou o número de profissionais para exumação e sepultamento e cavou novas covas rasas.
Menos profundos, os buracos recebem os caixões direto na terra, são mais baratos de construir e mais fáceis para eventualmente retirar os restos mortais. Uma via dentro do cemitério chegou a ficar coberta pela lama que deslizou de um dos morros próximos.
Ainda falta muita gente para ser sepultada, diz Daniele com uma lágrima no canto do olho que não cai. Só nesta quarta (16), viu e ajudou a retirar oito corpos de crianças do Morro da Oficina, onde o maior deslizamento da cidade levou cerca de 80 casas.
O enterro de Débora, Gustavo e Heloise foi a única coisa que a fez deixar os resgates nos morros nos últimos dois dias, de poucas horas de sono. Petrópolis continua mobilizada para encontrar os ao menos 116 desaparecidos da tragédia, segundo o último número do Ministério Público.
As buscas chegaram a ser paralisadas na tarde desta quinta, quando um forte temporal atingiu novamente o município e fez a Defesa Civil acionar as 14 sirenes do primeiro distrito. A chuva durou cerca de meia hora.
Durante o dia, o cenário na cidade era de moradores limpando suas casas e comércios, sirenes de viaturas e ambulâncias passando de um lado para o outro e voluntários circulando com doações por escolas e igrejas, sob um cheiro forte de lama misturada com lixo.