Beatles para sempre ou, como dizem, “Beatles four ever”

Eu estava na minha escrivaninha, metralhando meu presente de quinze anos, uma máquina de escrever Olivetti, quando o rádio anunciou a música dos Beatles em primeiro lugar nas paradas em todo o mundo, “I Wanna Hold Your Hand”, e pela primeira vez ouvi as vozes de John e Paul, a guitarra de George e a bateria de Ringo.

Eu já ouvia Elvis na vitrola, onde meus discos de rock, samba e baião, misturavam-se com discos de bolero de minha mãe. Amava Little Richard e seus rocks sempre nas alturas, que ouvia dançando na sala fechada, mas agora, no rádio do quarto, era a primeira vez que parava de escrever para dançar.

Os Beatles entraram na minha vida com terninhos e cabelos curtos, e se transformaram num quádruplo símbolo de transformação, as roupas e os cabelos sempre mudando conforme as mudanças de ideias e atitudes. Depois, quando os egos desfizeram o conjunto, continuaram mudando com carreiras extraordinárias.

A polêmica sobre se Yoko causou ou não a separação do conjunto sempre me pareceu uma bobagem, como se John fosse um menino aliciável e dirigível. Transformado em mito, ele deixou muitas preciosidades, como o disco Double Fantasy, em parceria com Yoko, cada um cantando uma faixa, já no título Dupla Fantasia anunciando, em 1980, a meta de homens e mulheres serem companheiros de cama, de casa, de vida e de crenças. Como Sartre e Simone foram antes para os intelectuais, John e Yoko foram símbolos de ação e transformação para casais.

Paul continuou lançando discos primorosos, e, pelo jeito, pode chegar aos noventa ainda dando shows pelo mundo. George foi o que mais se transformou e, além de nos deixar músicas notáveis, foi elegante até na morte. E o baterista Ringo transformou-se em homem show!

. |  Foto: iStock 

Os Beatles simbolizam também a transformação tecnológica do mundo, que já vinha se desenvolvendo com o rádio, a tevê e os satélites, pois foram os primeiros a ter canções conhecidas em todo o mundo.

Os beatlemaníacos aguardavam cada novo disco deles para ouvir incontáveis vezes, traduzindo as letras e curtindo as novidades, já que os Beatles estavam sempre se transformando com arranjos dos mais brejeiros aos mais monumentais.

Cada disco era assim um convite para ousar e inovar, e talvez por isso também o conjunto tenha se dissolvido: ficava difícil melhorar.

“Quando eu ficar velho, perdendo os cabelos” cantavam eles, e nesse meio tempo nós todos envelhecemos, a música deles não.

Mas podemos viajar no tempo a qualquer momento, clicando Beatles para tocar, com a facilidade de hoje, e botando a velha carcaça para dançar. Não com aquele corpo de meio século atrás, mas com a alma de novo jovem e deslumbrada com a capacidade humana de produzir arte, alegria e emoção.

Como dizia um amigo pessimista com quem eu ia ouvir discos na garagem de casa:

– Vou ouvir os Beatles até morrer.

Ao que outro amigo otimista replicava:

– Eu vou ouvir enquanto estiver vivo.

Ou, conforme o surrado trocadilho “Beatles four ever”, os Beatles são para sempre. E obrigado, mãe, por aquela vitrola.

A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina

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