SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O microempresário Carlos Alberto Lopes Gonçalves, 59 anos, está apavorado. Ele e mais quatro integrantes da sua família, incluindo a mãe de 82 anos, têm planos de saúde individuais da Amil desde 1988. Juntos, os planos somam uma mensalidade de R$ 6,3 mil.
Há dois anos, ele passou por uma dupla intervenção cirúrgica, de hérnia de hiato e bariátrica, que causou complicações. Veio a pandemia e ele descartou qualquer ida ao hospital. Agora, quando se preparava para continuar o tratamento, soube que os planos individuais e familiares da Amil estão trocando de mãos e a rede credenciada está encolhendo.
“Pessoas da minha família já tiveram o atendimento negado em laboratórios tradicionais que atendiam pelo plano, como o Delboni Auriemo”, diz ele. “Eu preciso do plano para restabelecer a saúde e a minha mãe, com 82 anos, que sofre de pressão alta e diabetes, não pode ficar sem atendimento”, diz ele, sócio de uma lanchonete no Brooklin, zona sul de São Paulo.
“Nós não somos lixo. Não podemos ser descartados de uma hora para outra por uma operadora de planos de saúde. Nós não estamos pedindo favor nenhum para sermos atendidos, pagamos pelo serviço.”
A Amil, controlada pela americana UnitedHealth, contratou o banco BTG Pactual no fim do ano passado para comprar a sua carteira deficitária de planos de saúde individuais e familiares. É deficitária porque o reajuste destes planos não segue a inflação e é regulado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Em 2021, por exemplo, a agência indicou um reajuste negativo de 8,2%, ou seja, os planos individuais tiveram que diminuir os preços.
O BTG chegou à Fiord Capital, um fundo de investimento criado em novembro do ano passado. O fundo receberia R$ 3 bilhões para assumir a carteira de 330 mil usuários dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Pela operação desenhada para a mudança de controle, a APS, do grupo Amil, passaria a ficar responsável pelos planos de saúde individuais e familiares, negócio que foi aprovado pela ANS.
Mas no início deste ano a APS passou para o comando da Fiord -movimento que acaba de ser barrado pela ANS, que alegou ausência de informações sobre a mudança de controle societário.
A Amil é o terceiro maior plano de saúde do país, com 6,1% de participação. Mas a imensa maioria dos seus 3,4 milhões de beneficiários pertencem a planos empresariais, que são rentáveis. No quarto trimestre do ano passado, a UnitedHealth, controladora da Amil, registrou lucro líquido de US$ 4 bilhões, alta de 84% na comparação anual. Informações de bastidor dão conta que a UnitedHealth planeja sair do país, mas para vender bem seus ativos, precisa primeiro se desfazer da carteira deficitária de clientes.
“Enquanto isso, os usuários dos planos individuais e familiares ficam no limbo, sem informação transparente sobre essa negociação e sem a garantia que o atendimento será mantido”, diz o advogado Rafael Robba, do escritório Vilhena Silva, especializado no setor de saúde. “Muito dos usuários desses planos são pessoas de meia-idade ou idosas, pagam caro pelo serviço, mas eles estão vendo a rede credenciada ser enxugada de um dia para o outro, sem aviso prévio, o que é contra a legislação do setor”, diz ele.
Segundo Robba, a lei assegura ao detentor de plano individual ou familiar de saúde que o contrato não pode ser cancelado pela operadora, e que a empresa deve avisar com no mínimo 30 dias de antecedência o descredenciamento de laboratórios ou hospitais, sempre tendo o cuidado de oferecer outra opção do mesmo nível, na mesma localidade.
Não foi o que aconteceu com a microempresária paulista Maria de Fátima da Silva, 50. Ela não conseguiu fazer os exames pedidos pelo seu ginecologista no laboratório Lavoisier. “Eu não sabia que o laboratório deixou a rede da Amil em outubro, só descobri quando fui fazer a coleta de sangue”, diz ela, cliente do plano de saúde há cerca de nove anos.
“Esta semana, a Amil enviou um comunicado dizendo que o plano passou a ser gerido pela APS, e que continuaria com a mesma rede credenciada. Mas é uma mentira.”
Mesmo nos planos empresariais, a Amil tem mudado a rede sem aviso prévio. “Em Indaiatuba (SP), o melhor hospital da cidade – o HAOC (Hospital Augusto de Oliveira Camargo) – foi descredenciado em janeiro”, diz a advogada Camila Voic, que mantém um plano empresarial para ela, o marido e os filhos.
Para Robba, a ANS não aprendeu nada com a crise das Unimeds na década passada, e assume uma postura apenas reativa. “A fiscalização de fato não funciona na ANS e a agência só se manifestou sobre o caso por conta da pressão do que saiu na imprensa”, diz Robba. “Os beneficiários da Amil têm motivos para estarem aflitos.”
Benjamin Wainberg, 68 anos, é um deles. “Estou na Amil há 25 anos e nessa altura da vida preciso da segurança de um plano de saúde. Cheguei a cogitar até deixar o país e me mudar para Israel, onde sei que posso contar com um atendimento de qualidade”, diz o administrador de empresas aposentado. “Pelo que eu acompanho, prevejo que a Fiord deve assumir os planos da Amil e quebrar dentro de algum tempo, deixando milhares de clientes na mão”, diz ele.
“Fico inseguro em relação ao futuro da Amil e à atuação da ANS”, diz Wainberg, que paga cerca de R$ 4.000 por um plano familiar de duas vidas. “Eu não tenho condições hoje de ir para outro plano, pagando o dobro disso”, afirma o aposentado, que em dezembro teve a cobertura de um exame recusada pela Amil. “Decidi arcar com o prejuízo de R$ 1,6 mil, para evitar o desgaste de entrar na Justiça contra o plano.”
Decisão diferente foi tomada pela família da administradora de empresas Karinna Rodrigues, 43 anos. “Em outubro, minha sogra precisou se submeter a uma cirurgia de substituição de válvula cardíaca e o cardiologista quis fazer a operação por robótica, menos invasiva, mas a Amil se negou a pagar pela operação”, afirma. Segundo ela, o plano disse que só pagaria pelo procedimento mais em conta, que envolveria abrir o peito inteiro da paciente.
Diante do impasse, a paciente, de 71 anos, ficou 40 dias internada. “Tivemos que contratar um advogado para entrar com uma ação contra a Amil, até que a operadora liberou a operação robótica”, diz ela. Os sogros pagam juntos uma mensalidade de cerca de R$ 2,5 mil e são clientes da Amil há mais de 30 anos.
Melissa Kanda Dietrich, sócia do escritório Farah Kanda Advogados, também especializado na área de saúde, afirma que os usuários dos planos da Amil têm a opção da portabilidade, que é a troca de plano de saúde sem cumprir o período de carência. “Basta estar em dia com a mensalidade, ser usuário do plano há pelo menos dois anos, para obter uma mudança para um plano equivalente”, diz.
Como são poucas as opções de planos familiares e individuais no mercado, o usuário teria que contratar uma administradora coletiva, como a Qualicorp, que por sua vez faz a intermediação com outros planos de saúde que não atendem pessoas físicas. “Mas nestes casos o usuário pode se deparar com uma rede credenciada inferior ao que ele tinha”, afirma.
Nesta terça-feira (9), o Procon-SP notificou a Amil, a APS e a UnitedHealth Group para discutir a transferência dos 330 mil beneficiários de planos individuais e familiares. As empresas deverão comparecer à sede da instituição, na capital paulista, no próximo dia 17.
Em nota, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) afirmou que está cobrando respostas à ANS e à operadora, a fim de saber quais foram as garantias apresentadas pela Amil e pela APS para assegurar a continuidade e a qualidade dos serviços.
Denis Morante, sócio da assessoria de investimentos Fortezza Partners, afirma que para a Amil não é fácil manter uma operação deficitária no Brasil. “A inflação da saúde, com seus insumos e serviços, é o triplo da inflação geral”, diz ele, lembrando que os custos cresceram ainda mais com a pandemia. “Aí vem a ANS e decide que, em 2021, o reajuste é para baixo”, diz. “O negócio se torna insustentável.”
Questionada pela reportagem, a Amil afirmou em nota que está revisando o processo de compra e venda da APS.
“O UnitedHealth Group Brasil informa que está revisando o processo de compra e venda da Assistência Personalizada à Saúde (APS), em resposta às questões levantadas pela agência reguladora. Reitera que a APS permanece como empresa do grupo e assegura que todas as condições contratadas pelos beneficiários permanecem rigorosamente as mesmas. Seus canais de atendimento seguem à disposição dos seus beneficiários para esclarecimentos”, diz o texto.
Já a Fiord Capital não atendeu o pedido de entrevista até a publicação deste texto.