Catar: um lugar entre areia, petróleo, gás natural e… muita grana! São bilhões de dólares em exportações dessa riqueza energética cobiçada pelo planeta, insumo inevitável para movimentar a economia, sobretudo de países ricos. Com uma população pequena, o controle do país encontra-se nas mãos do sheik Tamim bin Hamad bin Khalifa Al-Thani e sua família, os quais desfrutam de milhões de dólares para esbanjar. Certo dia, imaginaram o seguinte: que tal brincar de Copa do Mundo?!
Com muitos dólares e euros na maleta, a falta de tradição no futebol não se traduziu em obstáculo. Assim, foi fácil obter a sede do mundial da Copa de 2022 e deixar para trás países poderosos, como Estados Unidos, Japão, Austrália e a Coreia do Sul. As explicações para a escolha do Catar chegam ao lamaçal de corrupção na maior entidade esportiva, a Fifa, atingida em cheio por denúncias vindas dos norte-americanos.
Na realidade, a Copa integraria a ideia de marketing do ainda pouco conhecido sportswashing, cuja tradução “lavagem esportiva” é específica em ocasiões quando indivíduos, empresas ou governos considerados autoritários tentam aplicar o soft power, isto é, um tipo de poder brando para limpar uma má reputação política ou humanitária obscura. Nesse contexto, empregam o esporte, daí o termo, sportswashing.
The illuminated, urban skyline of Doha, Qatar, with the modern skyscrapers just after sunset | Foto: Istock
Justifica-se ainda o emprego de sportswashing pelo apelo forte emocional por parte dos torcedores. Estes formam laços com suas seleções e podem ser usados para melhorar a imagem pública e a popularidade de um país ou de um time.
Vale dizer que o sportswashing já acontece há muito tempo. Tanto as Olimpíadas modernas, quanto as antigas, tiveram seu aspecto político e ideológico por trás. Quando a Alemanha nazista, por exemplo, sediou os Jogos Olímpicos de Verão de 1936, ela viu o evento como uma manifestação para a raça ariana.
No entanto, a estratégia de marketing do sportswashing de colocar o Catar nos lares do planeta como se fosse um país livre de opressão e respeitoso em relação aos direitos humanos e aos imigrantes, quase desaba quando jornalistas descobrem casos de superexploração de mão de obra imigrante na construção dos estádios da Copa. Aliás, fala-se na morte de mais 6,7 mil trabalhadores, por falta de segurança e ainda pela exposição ao clima extremamente quente no verão.
Deve-se acrescentar nesse viés o controle que as autoridades têm no tocante à população, citando, por exemplo, a condenação e a perseguição à comunidade LGBTQIA+; a opressão contra as mulheres, sujeitas ao sistema de tutela masculina, ou seja, necessitam de autorização de seus tutores, pai, marido, irmão; e tantas outras restrições e desigualdades.
Diante de cenários macabros, o Catar, já próximo do desfecho da Copa, de repente vivencia um escândalo de corrupção, dessa vez, envolvendo o poderoso Parlamento Europeu. A vice-presidente dessa entidade, Eva Kaili, e mais três suspeitos foram detidos e acusados de pertencimento a uma organização criminosa de lavagem de dinheiro e de corrupção.
Kaili esteve no Catar antes do início do Mundial, na presença do ministro do Trabalho daquele país, quando o felicitou pelas reformas sociais, mesmo diante de sérias denúncias de desrespeito aos trabalhadores imigrantes.
Esse aliciamento ou “compra” de deputados do Parlamento Europeu constitui mais um exemplo da política de sportswashing e de corrupção no Catar da Copa.
Portanto, sob forte estratégia de sportswashing entremeada ao lamaçal de corrupção, chega ao fim a Copa do Catar. Daqui a quatro anos… Bem,daqui a quatro anos, tem mais!
Ycarim Melgaço Barbosa é doutor em Geografia Humana e pós-doutor em Economia e em Administração de Organizações