ESPAÇO ABERTO: Proteção de dados e o futuro digital

No início de novembro foi realizado o primeiro Data Privacy Global Conference, seminário que propôs um debate sobre a proteção de dados pessoais sob a ótica do sul global, convidando os participantes a pensar a matéria em conexão com o futuro dos mercados digitais.

A escolha do tema buscou a análise do ecossistema regulatório nacional e global, com a provocação de uma reflexão sobre os principais desafios que a comunidade ibero-americana enfrentará ao adotar modelos de regulamentações rígidas, a exemplo da Europa, considerando-se as características particulares dos países do hemisfério sul, especialmente no atual momento de diversas tramitações, como o Marco Legal da Inteligência Artificial.

Partindo das perspectivas de referências mais maduras sobre proteção de dados, em especial a norte-americana e as europeias, verificamos a mudança das autoridades, de uma abordagem teórica para mais prática, incluindo o aumento de processos sancionadores e valores das multas.

Nota-se uma forte atuação em avaliar a concentração de poder informacional e formação de monopólios pelas big techs. Nesse sentido, há crescente desenvolvimento de práticas antitruste e regulamentações que assegurem maiores níveis de concorrência no mercado digital, bem como relacionadas à publicidade de vigilância, uma vez que é a base da geração de riquezas dessas corporações.

Outra tendência é a regulação de Inteligência Artificial e outras inovações tecnológicas, com o objetivo de estabelecer princípios comuns para o futuro digital, de modo que sejam construídas com a proteção de direitos fundamentais como um padrão, a fim de se voltarem aos interesses dos seres humanos e não utilizadas de forma contrária. Tentativas similares pretendem formar um nível de segurança cibernética adequado para o fluxo internacional de informações.

Sobre o cenário nacional, o diretor-presidente Waldemar Gonçalves declarou que a ANPD tem inicialmente buscado a regulamentação da LGPD e a conscientização, a partir dos guias e resoluções disponibilizados, ao invés de uma postura sancionatória, considerando uma oportunidade para que as organizações se adaptem a essa transformação.

Também foram discutidos assuntos técnicos importantes, como o gerenciamento de crises de incidentes de segurança e seu diferencial competitivo, a partir da relação de confiança entre clientes, parceiros e fornecedores. O segredo, segundo os palestrantes, reside na preparação para que a empresa possa agir de forma rápida e consistente, por meio de processos de decisão estabelecidos de forma antecedente, além de uma boa comunicação.

Seguindo a temática da proteção de dados como um instrumento para a justiça social, questionou-se a forma como a tecnologia foi construída sobre problemas estruturais históricos e seus efeitos sobre as populações marginalizadas.

Verificou-se que as vulnerabilidades da proteção de dados pessoais tem causas e consequências coletivas, como se vê em situações relacionadas a desinformação e a discriminação, uma vez que o tratamento de dados pessoais sensíveis, como raça e opção sexual, impacta desproporcionalmente determinados grupos sociais.

Sobre dados abertos, os painelistas destacaram a ausência estatal em coletar dados essenciais para políticas públicas efetivas e a importância de se criar um framework entre a LAI e a LGPD, baseado em instrumentos técnicos e as avaliações de risco que permitam atingir maior valor social dos dados pessoais relacionados ao interesse público, por meio de medidas de mitigação de riscos que conciliem a transparência e a proteção das informações pessoais.

Muitas participações enfatizaram a necessidade de retomarmos à finalidade principal das avaliações de impacto, que é, em última instância, a proteção dos direitos humanos e fundamentais, e não apenas o compliance regulatório.

Por fim, houve um alerta sobre o tecno-autoritarismo, que consiste na dominação pelo Estado ou por grandes corporações sobre a população por meio da tecnologia, impactando direitos e garantias fundamentais, e a transparência e a proteção de dados como mecanismos democráticos, principalmente em regiões onde ainda há flagrante exclusão digital.

A discussão nos incentiva a assumir o protagonismo na construção de regulamentações e de uma cultura em privacidade e proteção de dados que seja pensada em consideração à realidade brasileira, para reconectar o seu propósito de servir a justiça social.

Maria Clara Garcia Cid, Luciana Emori e Luís Eduardo Neto, advogados em Londrina

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