Ritmo e poesia: o rap vai às escolas como ferramenta pedagógica

O rap, elemento que une ritmo e poesia como expressão musical das periferias, pode auxiliar de diferentes maneiras no processo pedagógico. Um exemplo é a utilização do álbum e livro ‘’Sobrevivendo no Inferno’’ (1998) do clássico grupo nacional Racionais MCs como leitura obrigatória do vestibular da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas (SP), uma das mais importantes do país. A iniciativa de somar características que estejam diretamente ligadas à cultura popular e realidade dos alunos é um atrativo que potencializa os estudos.

Em Londrina o elemento também ganha lugar no espaço da escola. A professora de Língua Portuguesa, Natália Fonseca, utiliza o ritmo e a poesia como instrumento nas metodologias de ensino-aprendizagem nas escolas da rede estadual de ensino em que atua desde 2019. A ideia nasceu quando na sua formação de Mestrado precisou criar um material didático com sugestões para trabalhar linguagens de diferentes maneiras: pinturas, fotos, quadros, poemas, letras de músicas e composições de rap. 

A professora Natália Fonseca criou um material didático com sugestões para trabalhar a linguagem de diferentes maneiras, incluindo colagens |  Foto: Arquivo pessoal – Divulgação 

A partir do primeiro ano em que começou a dar aulas na cidade, desenvolvendo os conteúdos das ementas com a linguagem do hip hop, foi possível perceber o interesse dos alunos com o tema. Deixando as aulas ainda mais dinâmicas, a professora firmou parceria com o grupo FreeStyle de Rua, projeto social que leva apresentações de hip hop para escolas, universidades e instituições.

A professora Natália Fonseca firmou parceria com o grupo FreeStyle de Rua, projeto social que leva apresentações de hip hop às escolas, universidades e instituições |  Foto: Arquivo Pessoal – Divulgação 

SALA DE AULA, RECREIOS E INTERVALOS

A primeira escola em que o grupo se apresentou à convite da professora foi o IEEL – Instituto de Educação Estadual de Londrina – , no centro da cidade. Durante o intervalo, o grupo rimou, cantou, contou sobre a cultura urbana e a história do hip hop, mas também gerou identificação entre os estudantes. ‘’Eles falam e usam a mesma linguagem dos alunos, os meninos são novos já é um atrativo pois surge até uma projeção. Os estudantes das escolas públicas vêm do mesmo lugar que o grupo, das periferias, e também passaram e passam por dificuldades. Então ao perceber que o rap mudou a vida dos integrantes é uma oportunidade de transformação, eles ficam deslumbrados com as histórias e rimas’’, explica Natália, que reforça o repertório sociocultural que é promovido na atividade. 

Como resultado das apresentações, a professora conta que os alunos foram pesquisar mais sobre batalhas de rima e até começaram a frequentar as que existem em Londrina. ‘’É um repertório sociocultural que se mostra por meio das rimas. Não é rima por rima, tem muito sentido, contexto, repertório, referências a filmes, livros, séries, animes. Isso cativa os alunos’’, destaca. Ela conta que esse conjunto impulsiona o ensino da Língua Portuguesa, onde é possível conversar sobre a dinamicidade da língua, o uso da formalidade e do coloquial, as concordâncias, liberdade poética, variantes linguísticas. 

‘’Todo conteúdo trazido pelo rap é o que chamamos de ensino transversal. Tem composições que vão ajudar na disciplina de História, Sociologia, Filosofia e Arte. Às vezes de uma música, de uma mesma letra de rap você pode promover um aprendizado muito mais significativo e próximo dos alunos’’, explica e reforça que manifestações artísticas também promovem análise do discurso que se apresenta, ferramenta que estimula interpretação e senso crítico. 

Evidenciar o espaço escolar como um local de debate político, social, criativo e artístico é um dos objetivos do FreeStyle de Rua, como conta a estudante de Psicologia da UEL e integrante do grupo, Lígia Braga. ‘’Queremos proporcionar o pensar contextos, perspectivas, reflexões sobre lugares que são negados e experiências positivas, mesmo que a realidade seja dura’’, conta. Para ela, levar o rap para a escola mostra uma visão de cultura potente e rica que traz questões de denúncias, auto conhecimento pois ‘’tudo isso é político e é o maior ganho que a gente tem. O debate político é coisa de escola, e o rap faz isso’’, finaliza. 

MC Fefe e Lígia Braga, integrantes do FreeStyle de Rua durante apresentação no CEEBJA Herbert de Souza, no bairro Vila Nova |  Foto: Arquivo Pessoal – Divulgação 

Adilson Dias, campeão paranaense de rimas, também integra o grupo e destaca a importância do rap auxiliar na formação dos alunos, fugindo de estereótipos. ‘’Não estamos ali para fazer qualquer coisa. Estamos ali para instruir, ajudar, conversar com esses jovens e o retorno é sempre positivo. É uma cultura marginalizada, vista como pejorativa, então queremos reverter essa imagem que as pessoas tem, promovendo conexão, energia e ensinamentos’’, detalha. Dias conta que o rap despertou o sentimento da busca pelos estudos de maneira descontraída, como mecanismo que ensina dentro e fora da escola. O mesmo ocorreu com Renan Fidelix, o MC Portuga, integrante do grupo que começou a se interessar pelos estudos para ampliar seu vocabulário para as batalhas de rima. 

Estar em um ambiente de ensino e aprendizagem é uma conquista para o grupo. O DJ Damião Milianos, fundador da equipe, explica que o estereótipo quando ao movimento é muito grande. ‘’O hip hop incomoda, então a gente precisa se dedicar e fazer bem feito nos espaços em que estamos. Muitas lágrimas já rolaram por conta do estilo de roupas, a calça larga, o boné e as tatuagens, então conseguir estar nesses espaços é muito importante’’, aponta. 

Grupo FreeStyle de Rua em apresentação no Colégio Marcelino Champagnat |  Foto: Arquivo Pessoal – Divulgação

O FreeStyle de Rua está na sua segunda formação e aos poucos querem quebrar esses paradigmas: em setembro, 8 estudantes de Psicologia da Universidade Positivo iniciaram um estágio com o grupo, acompanhando as atividades, as vivências e a interação promovida pelo rap. 

NAS BIBLIOTECAS

O Favela Library foi idealizado pelo bibliotecário e produtor cultural no Residencial Vista Bela na zona norte, Leandro Claudino, quando ainda era graduando da Universidade Estadual de Londrina. O projeto, apoiado pelo PROMIC – Programa Municipal de Incentivo à Cultura,  tem como objetivo fomentar o espaço da biblioteca como laboratório de aprendizagem, promovendo interação com alunos mostrando livros, poesia e literatura nas bibliotecas comunitárias distribuídas pelas periferias de Londrina. 

A iniciativa começou em 2019, quando Claudino atuou na construção de uma biblioteca no Canto do MARL e em seguida surgiu a ideia de criar uma rede delas pelas diferentes regiões da cidade. A primeira foi a Biblioteca Capitães da Areia, dentro do espaço do CENSE II (Centro de Socioeducação), depois a Biblioteca Preta, uma mini biblioteca com temática afro-brasileira e indígena, Biblioteca Ciranda Cultura no bairro Avelino Vieira e a Biblioteca Itamar Assunção no Novo Amparo. Atualmente, a rede possui cinco bibliotecas. ‘’É uma contrapartida social, por ter me formado em uma universidade pública, quero dar esse retorno para as comunidades em que passei, fortalecendo o trabalho literário’’, explica o bibliotecário.

Trabalhar com a dinamicidade do ambiente da biblioteca também é um dos motes do Favela Library. Além do estímulo à leitura, o projeto estimula o desenvolvimento cultural dos jovens por meio do teatro e de elementos do hip hop como o grafite, a dança e o rap. Para Claudino, que também é rapper, o ritmo e a poesia têm o poder de somar no exercício da leitura.

‘’O rap transforma tanto na leitura de mundo que ele possibilita quanto na produção de características diferenciadas para fazê-lo. Por exemplo, na rima improvisada, você tem que ler o que está à sua volta para captar elementos e construí-la. Então, com a performance do MC, o microfone se torna uma extensão do corpo e da oralidade: com as gírias, as expressões idiomáticas, onomatopéias, metáforas! São características que ele pode utilizar, mas para isso, tem que ler!’’, detalha, reforçando o conhecimento como quinto elemento do hip hop. 

Leandro Claudino, idealizador do Favela Library, acredita que o rap tem o poder de somar ao exercício da leitura |  Foto: Arquivo Pessoal – Divulgação 

* Devido ao recesso escolar, esta é a última edição da Folha Cidadania em 2022,  as publicações retornam em 2023.

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