Carlos não vê nem ouve, mas os amigos deram um jeito de levar Copa até ele

SÃO PAULO, SP (UOL – FOLHAPRESS) – A Copa do Mundo acabou para o Brasil, mas um vídeo nas redes sociais conseguiu melhorar o humor de qualquer um que sonhava com o hexa. Uma dupla de intérpretes de Libras deu um jeito de fazer com que um homem que não enxerga nem escuta sentisse a emoção dos jogos do Brasil no mundial.

À reportagem, eles contam como fizeram para traduzir a emoção da partida usando apenas o tato — nas mãos e nas costas.

O vídeo que viralizou foi feito na estreia do Brasil na Copa do Qatar, contra a Sérvia, partida que deu a vitória à seleção brasileira por 2 x 0. Nas imagens, os dois intérpretes aparecem fazendo uma forma diferente de comunicação para um amigo, o massoterapeuta Carlos Alberto Júnior, 34.

Outros jogos também foram traduzidos pela dupla. Por meio de sinais nas costas e guiando as mãos de Carlos em um tabuleiro que simula um campo de futebol, os dois profissionais conseguiram fazer com que ele acompanhasse todos os lances do jogo, em tempo real.

O método permite que ele entenda, simultaneamente, quem são os jogadores e quais os movimentos estão fazendo no campo.

Vinícius Alves da Cruz, 31, é quem aparece fazendo sinais nas costas de Carlos. Simultaneamente, Hélio Fonseca, 42, guia as mãos de Carlos pelo “campo de futebol”.

Hélio conta que combinou dois métodos para fazer essa transmissão. Nas mãos, foi feita a libra tátil e, nas costas, a libra háptica — com símbolos e palavras em várias partes do corpo.

“Na minha mão, ele (Carlos) tem o movimento do jogador, mas nas costas o Vinícius faz o desenho do Brasil e do número da camisa dez, por exemplo, e ele já sabe que é o Neymar”, explica.

“Assim ele consegue receber as duas informações, nas costas e nas mãos ao mesmo tempo e perceber o que está acontecendo”, continua Helio.

O método foi adaptado por Hélio para o amigo Carlos pela primeira vez na Copa de 2014. Ele conta que os dois fizeram um curso nas Filipinas, onde aprenderam os dois métodos no ano anterior.

“Esse método era usado para que a pessoa pudesse perceber a expressão da outra com quem estava conversando, se estava triste, feliz, através dos desenhos nas costas, e adaptei para a partida de futebol”, conta.

A partir daí Hélio começou a fazer várias “transmissões” de jogos de futebol para Carlos e, na Copa de 2018, começou a contar com o apoio de Vinícius, que faz a comunicação háptica, nas costas.

Personal trainer e ex-jogador de futebol, Vinícius resolveu aprender a fazer a comunicação para ajudar os amigos.

“A gente se conheceu na igreja e ficou amigo. Como o Carlos é são-paulino doente, a gente sempre se reúne nos jogos importantes e transmite para ele”, conta.

‘TIVE MEU LAZER DE VOLTA’

Carlos nasceu com deficiência auditiva e começou a perder a visão aos 14 anos, por causa da síndrome de Usher, uma condição hereditária que afeta ambos os sentidos.

Ele é casado com a artesã Janaina Mainara dos Santos, 32, que também é deficiente auditiva e tem apenas 30% da visão. Os dois não têm filhos. O casal conheceu a dupla de intérpretes na igreja evangélica que frequentam.

Apaixonado por futebol desde criança, Carlos conta que temia não poder mais acompanhar os jogos.

“Quando fui perdendo a visão, já me preocupava um pouco. Quando eu já tinha perdido totalmente e o Hélio criou esse campo [de futebol] eu consegui fazer as conexões porque enxergava a memória visual que tenho. Para mim, é super real, pois tenho essas informações e consigo, com os movimentos, ter acesso ao que está acontecendo por completo.”

O massoterapeuta revela que o método mudou sua vida e ele já conseguiu participar de vários eventos com o modelo adaptado pelo tradutor de Libras.

“A gente já conheceu vários lugares e alguns eventos que eles interpretaram para mim, museu, teatro e algumas situações em que consegui ter acesso pela libra tátil e háptica”, diz ele.

“Consegui ter meu lazer de volta e isso me faz muito feliz, ter momentos de distração e ainda quero conhecer o mundo”, afirma Carlos.

Apesar do resultado dos jogos do Brasil na Copa, Carlos comemora a chance de participar do evento. “São amigos de verdade que me proporcionam ter essa emoção de hoje em poder acompanhar os jogos, apesar do resultado de hoje, que me deixou bem triste.”

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