Sensibilidade, abra as asas sobre nós

Os dicionários da nossa língua registram: “sensível” é o sujeito capaz de captar o que existe e expressá-lo, que é propenso a se colocar no lugar dos outros e sentir suas dores, que é emocionalmente favorável ao justo, compreensível e solidário. Esse conjunto de atributos define a ideia de sensibilidade. Ser sensível e demonstrar sensibilidade, tal a condição daqueles que são os melhores entre nós.

Dois temas me levaram a pensar a questão da sensibilidade. O primeiro diz respeito a esta coluna. Nas últimas duas semanas, eu me referi ao pensador italiano Antonio Gramsci. Estudo a obra do comunista sardo há mais de vinte anos. Identifico-a como exuberante e fragmentada, exigente e sinuosa, potente e avessa a precipitações. O especialista em Gramsci deve-se deter sobre seus escritos jornalísticos e ensaios, suas cartas e seus cadernos carcerários que contêm o essencial de suas reflexões, o legado duradouro de sua vida dedicada à transformação do mundo.

Notei, contudo, que Gramsci é visto pela extrema direita e pela alastrada dissonância cognitiva como um demônio, o maior responsável pelo “domínio cerebral” que a esquerda exerce sobre a juventude. Graças ao italiano, que morreu em 1937, o “esquerdismo” invadiu corações e mentes, destruiu as escolas, corroeu a universidade, infectou a política e disseminou sentimentos revolucionários numa pátria antes constituída por “pessoas de bem”, “cristãs” e “conservadoras”. Eu sei que tanta bobagem parece mentira ou loucura, mas, infelizmente, não é. É sintoma daquilo que vaticinou Paul Valéry: “Como não se pode atacar o argumento, ataca-se o argumentador”.

O segundo tema a me conduzir por reflexões sobre a desejada sensibilidade humana esteve em evidência recentemente. Circulou pelas redes sociais um vídeo em que jogadores e um ex-jogador de futebol da seleção brasileira experimentam a famigerada “carne de ouro”. Regado a ouro em pó, o bife chega a custar alguns milhares de reais. Os atletas riem, esbanjam insensibilidade e clamam por nossa indignação. Sem puritanismo: é deselegante, estúpido e covarde ostentar riqueza e extravagância sendo representantes de um país em que mais de 30 milhões de cidadãos passam fome. Quando, de algum modo, se exerce influência sobre muita gente, discrição e serenidade devem ser as principais virtudes a cultivar. É sintomático que uma cena lamentável dessas ocorra durante o ocaso daqueles que passaram os últimos anos proferindo bobagens, negando o óbvio, esparramando rancor e bizarrices. No fundo, são cenas tardias de uma barbárie que assombra e preocupa, ainda que tenha sido impactada há pouco pela esperança.

A sensibilidade é o exercício de projetar-se com o outro num futuro comum. Isso se aprende em casa, na escola, na vida. Para tanto, é preciso que circulem bons valores e sentimentos que humanizem nossas relações, celebrem a diversidade, não prescindam de uma sociabilidade efetivamente democrática. Olhando para frente, o que não nos falta é trabalho.

A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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