Ironia do destino ou sinais de novos tempos tempos? Seja como for, a Copa do Mundo disputada no Catar expôs de forma nua e crua que as políticas refratárias do emirado milionário às liberdades individuais e às ações de inclusão não devem ser toleradas. Mais do que os 48 jogos realizados na primeira fase do Mundial, com agradáveis surpresas que só o futebol é capaz de proporcionar, o que mais chamou a atenção do mundo na primeira fase de disputa foram as manifestações em defesa dos direitos humanos realizadas por algumas das seleções em campo e especialmente nas arquibancadas dos estádios catares.
A derrota da tetracampeã Alemanha de virada para o Japão, logo na primeira rodada, entrou para a história não apenas pelo resultado em si. O protesto dos jogadores alemães, perfilados com as mãos na boca na foto oficial pré-jogo, foi tão relevante e significativo quanto o feito em campo dos “samurais azuis”. A manifestação foi por conta da proibição da Fifa ao uso da tarja de capitão nas cores do arco-íris, num claro apoio da seleção alemã à diversidade – no Catar a homossexualidade é considerada crime.
Também na primeira rodada, outra imagem simbólica e muito marcante dentro de campo foi o boicote dos jogadores do Irã à execução do hino do próprio país. Nenhum deles cantou, em um protesto solidário à repressão do governo iraniano à liberdade individual das mulheres do país. Na arquibancada, o choro de emoção de uma torcedora iraniana por poder frequentar o estádio, direito que no Irã é vetado às mulheres, correu o mundo e ofuscou a goleada sofrida pela seleção do Oriente Médio para a Inglaterra.
São exemplos muito bem apropriados para mostrar que não, não é mais possível encarar competições esportivas apenas como meras disputas entre atletas com o único objetivo de medir seu desempenho e alcançar seus objetivos, premiando os melhores em suas respectivas modalidades.
Eventos da magnitude de uma Copa do Mundo, que reúne 32 nações, mobiliza centenas de milhares de espectadores no planeta e movimenta em apenas um mês de disputa cifras correspondentes a PIBs de vários países, não podem estar desconectados do contexto social, do mundo real. E nesse sentido, as manifestações legítimas e espontâneas que marcaram a primeira fase do Mundial do Catar talvez tenham sido as jogadas de melhor efeito a que o mundo assistiu. Uma baita lição à Fifa, que insistiu em promover o seu maior produto num país avesso às transformações sociais, e àqueles que consideram políticas inclusivas “mimimi”.
A FOLHA deseja sorte à seleção!