Quer saber como se sente a juventude da periferia? Ouça o rap

Quer saber como se sente a juventude das periferias do Brasil? Ouça o rap. Quer saber como se faz uma música dançante e politizada? Ouça os Racionais MC’s que fazem uma revolução sem disparar um tiro e sem convocar atos grotescos.

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Na Netflix, o documentário “Racionais MC’s: das ruas de São Paulo pro mundo”  alcançou o Top 1 na lista de documentários mais assistidos assim que foi lançado, em 16 de novembro.

A roteirista  e diretora Juliana Vicente conecta a trajetória do grupo à pulsação de São Paulo, a megalópole que cria e devora diferentes mundos. Mostrando a origem dos quatro integrantes dos Racionais: Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay,  ela traça os territórios da capital paulista encarando o óbvio que ainda precisa ser mostrado: nem tudo se resume à vibração da Avenida Paulista, onde diariamente os mundos se encontram. Existem aqueles muros invisíveis que circundam as periferias onde a violência dá cabo de vidas, algumas muito jovens. A violência policial matou 78,9% de pessoas negras em 2021. Isso mesmo! Os dados são do FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública – que mostra que 6.416 pessoas pretas e pobres foram mortas por policiais em 2021. 

|  Foto: Marco Jacobsen 

Partindo das estatísticas para a luta,  é preciso lembrar que o rap traça uma nova perspectiva para reverter as  estatísticas, a conscientização,  destacando-se como um fenômeno cultural que muitos ainda não entendem. O rap que não faz apologia às drogas nem ao crime – embora nem todos saibam disso – foi a resposta contemporânea ao estado de violência e à violência do Estado, deu tão certo que jovens da periferia em massa aderiram ao ritmo que “solta os bichos” sem desferir socos, a não ser os simbólicos e necessários. O tiro está nas letras das músicas que revelam a situação da maior parte da juventude brasileira que não é essa que pode ser incluída na “meritocracia”, embora seu esforço carregue  o trabalho no país dos aplicativos que destina aos motoboys o pagamento precário para enfrentar o trânsito, quase sempre fatal, nas cidades deseducadas também para o trânsito.

O título “Racionais MC’s: das ruas de São Paulo para o mundo” define a conexão de quatro caras “sem futuro” que conseguem reunir 100 mil pessoas em shows ao ar livre conduzindo uma espécie de “ritual”, como diz Mano Brown,  que conecta o rap à juventude e à ancestralidade negra do país.

O rap está em todas as cidades, está em São Paulo e está em Londrina, onde jovens periféricos começaram suas Batalhas de Rimas na Concha Acúsica, nos meados dos anos 2000, desenvolvendo um movimento nem sempre aceito porque parece meio fora da curva quando repete: “60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais/ Já sofreram violência policial/ (…)/ Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros/ A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo/ Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente ( “Capítulo 4, Versículo 3″/ Racionais MCs/1997).

De 1997 para 2022 alguma coisa mudou? Pelas estatísticas não. Mas mudou a forma de desmascarar a violência e ela está na música, nas ruas, na Concha Acústica ou no Zerão em Londrina. É preciso afinar os ouvidos: a realidade é uma barra, mas ao som do rap ganha uma mutação cultural, uma dimensão histórica que nunca se viu neste país armado, física e (i)moralmente, até os dentes. 

A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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