ESPAÇO ABERTO: Assistindo Brasil X Suíça

Segunda-feira 28, apanhei um porre de tudo. Ou quase tudo. Não. Não ultrapassei os limites etílicos que o meu corpo poderia suportar, pois nem bebi! Porém, roí as unhas pela chegada do gol brasileiro e logo depois experimentei a tensão e o prazer de torcer pelo meu país de origem, acompanhando os toques mágicos do CR7 num jogo extraordinário com um adversário à altura. Não é fácil ter duas pátrias! É como se fossem dois corações batendo no mesmo peito, ou então, ser privilegiado por ter dois times para torcer! Se não for um… quem sabe o outro chegue lá!

O primeiro porre foi cultural, com um forte perfume de ciências sociais. As bancadas e os jogadores dos dois times, refletiam sob as luzes do estádio, um arco íris de raças e cores, de cabelos e narizes! Um show à parte, alguém diria! Ou terá sido o verdadeiro show? Contudo, uma peculiar beleza! As caraterísticas de uma e outra raça, não estavam restritas a esta ou aquela equipe como prerrogativa exclusiva! Os negros da Suíça e os branquelos brasileiros denotavam fenómenos que vão além do tempo e que fazem da história uma bailarina estonteante repetindo processos com nuances novas.

O Brasil é em si um oceano de raças e cores desde a sua fundação como país. A Suíça se reinventou a partir da segunda metade do século passado, com espanhóis, portugueses e mais recentemente com africanos e latino americanos. São três suíças dentro de um pequeno território, cada Cantão com relevante autonomia, com língua própria, tudo isso numa equivalência territorial ao Estado do Espírito Santo. Lá, você pode exercitar sua fluência em alemão, italiano e francês só elogiando o queijo! Leckerer kase, delizioso formaggio, délicieux formage! Bem-vindo à nação em que Breel Donald Embolo, nascido no Camarões, marcou contra o seu país de origem. Se o leitor pensa que é um fenómeno helvético, errou! A Europa toda está assim!

O segundo porre foi cromático. Ou mais especificamente, verde e amarelo! Confesso que andava angustiado e um tanto arredio às cores nacionais estampadas na nossa bandeira, de tanto ver ela embrulhando paranoicos e golpistas em porta de quartéis, invadindo Câmaras e Assembleias ou sendo hasteada em eventos antidemocráticos. Havia uma sensação de que as tinham sequestrado. Mas nesse dia, ali estava eu sentado sozinho, olhos marejados, me banhando de patriotismo canarinho! A bandeira é nossa, eu pensava. Nem vermelha, nem preta nem outra cor qualquer. É do nosso povo.

São milhões vibrando ao vê-la dançar pelo gramado, em passes orquestrados, a caminho do gol! E as bancadas? O que importa a cor política se nessa hora todos têm o olhar no mesmo ponto: no Brasil! O país que quer driblar seu maior adversário no momento: a fome! É uma onda gigante do bem e do belo que vai inundando os corações arrefecidos e nos devolvendo a chance de jogarmos ao lado de Neymar e Richarlison pela vitória do nosso país!

Mas teve mais um porre. Um porre de indignação. Dentro das quatro linhas, amarelos e vermelhos ganham praticamente igual. Quiçá os nossos não ganhem mais! No entanto, a semelhança para por aí! No Cantão francês da Suíça em 2020, os cidadãos aprovaram um salário mínimo equivalente a 25 mil reais, quando o nosso era 1.040,00. No Cantão alemão de Zurique, pode chegar a 33 mil reais! Impossível assistir ao jogo sem algumas perguntas. Uma delas, refere-se à distância entre quem ganha o mínimo e os chamados altos salários, que existem em qualquer sociedade e por óbvio, na Suíça também. A resposta encontra-se em todos os países europeus: de 4 a 5 vezes mais! Seja público ou privado! Portanto, de 4000 para 18.000 francos!

Posto isso, o jogo que deve ser jogado aqui no Brasil, está bem longe do glamour da Copa! É escandaloso, que dentro do gramado verde e amarelo deste país, 63 milhões de brasileiros, cerca de 30%, vivam na pobreza. 33 milhões passando fome. Na segunda-feira 28, eu vi 22 jogadores no estádio, aparentemente idênticos! Mas, os torcedores em seus países pertencem a dois mundos que não poderiam coexistir! Finalmente peço vénia ao meu amigo Militão, para dizer que Deus era brasileiro e ainda não desistiu de nosotros! Convém, apesar do resultado, não entregar a partida!

Padre Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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