Orisa bi Ogum onírè kò sí mó, bí kò sí Ògún. A ko roko. A ko yèrà. Ogun lo ni okó. Ogun làgbède. Ogun làgbè, oun naa ni jagum jagum, bi o si Ogun o ko jeun.
Ogum foi Ya Mukumby. Ya Mukumby foi Ogum. Assim, ela agiu sobre a natureza para transformá-la em trabalho de criação e apontava o caminho para a autodeterminação dos corpos negros. Foi mulher, preta, pobre, mas isso não a impediu de abrir as matas do racismo violento da cidade onde morava. Foi corpo-negro no abate na luta pelas cotas raciais na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Abate, pois em vida seu corpo só era autorizado quando a universidade necessitava do “primitivo” para seus “brilhantes” textos, que de preto só tem, quando muito, a cor do texto impresso na folha branca.
Yá Mukumby receberá honraria máxima da UEL
Relembrar Mukumby é desnudar o racismo que transforma corpos negros em mercadorias e fetiches para os desejos acadêmicos. A UEL jamais reconheceu em vida Mukumby enquanto Ogum. Ela soube entrar nesses locais como enfeite da árvore do Natal da Capes, para sair como potência que enfrenta a covardia e o mundo de privilégios daqueles que se esqueceram que combinamos de não morrer.
No dia 18 de novembro de 2022, ocorreu cerimônia de outorga do título de Doutor Honoris Causa para Ya Mukumby. Porém, como a violência que bate na porta dos doutores das letra não é a mesma que bate na porta de uma iyalorixá, a outorga foi in memoriam.
Sede do Neab homenageia Ya Mukumbi
O circo deveria bastar para a família e herdeiros do axé, já que a única preocupação era poder dizer que concedera um título de DOUTORA para uma mulher, preta e pobre. É a outorga entregue em saco de lixo, mas desta vez teríamos que ficar mais contentes já que o saco é biodegradável. Mukumby é merecedora, mas o seu conhecimento tem cor e axé.
Ogãs presentes não souberam dobrar o couro quando da presença dos mais velhos no axé. Colocaram para cantar quem Mukumby nunca gostou. Chamaram para o Maracatu fundado por Mukumby, que logo que o corpo esfriou, já bateram em nossa porta querendo levar o orixá assentado porque tinham a benção da princesa pernambucana do axé.
Yá Mukumby era referência no País
Aos corpos-negros acadêmicos que lá estavam, o silêncio, a conivência e a covardia revelam muito mais sobre quem são vocês na luta antirracista. Se fossemos brancos já teriam se aproximado da família, teriam feito da cerimônia uma celebração, mas não, preto é preto, assim, tratar como bichos ignorantes é norma. Afinal, esses filhos da macumbeira nunca ganharam uma bolsa da Capes, não devem nem entender o que Doutor Honoris Causa é. O conhecimento da Doutora Yá Mukumby vem de outro lugar. A maior premiação de Mukumby é ela ser iyalorixá. Isso nenhuma reitoria poderá deslegitimar.
A maior premiação de Mukumby era em seu corpo deixar dançar Ogum com sua espada, avisando que há caminhos a serem percorridos. Termino o texto com a neta da agora doutora sendo excluída pelo NEAB, sim, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros deu-se ao trabalho mesquinho de bloquear a aluna negra e neta de Mukumby. Isso porque esse corpo-negro não aceitou o circo hipócrita criado em torno da outorga.
Vanessa, filha, Victor, filho, e Solana Titiloye, neta, repudiamos: que corpos-negros privilegiados não tenham a coragem de Ogum, as rapinas londrinenses que se dizem herdeiras da iyalorixá, o Maracatu racista, ao povo de axe não sabem reconhecer os seus mais velhos. E não respeitou a memória daquela que o criou.
Repudiamos filhos e filhas de axé que não reconhecem sabem cumprimentar no som dos tambores os mais velhos e as presenças ilustres dentro daquilo que será divulgado como conquista antirracista, para a família foi mais um episódio de humilhação.
Mas Ya Mukumby deve e sempre será lembrada, porque o direito à memória também é luta antirracista. Mas nós, a família, repudiamos que a nova Doutora seja propaganda da hipocrisia e covardia da UEL. Para os amigos de ontem e hoje, e para os que são verdadeiramente de axé, que Ogum sempre lhes dê forças para nunca desistirem e sempre manterem acesa a chama da esperança. Aos demais, nosso silêncio.
Vanessa Santos de Oliveira, filha; Victor Jubiabá dos Santos, filho; Solana Titiloyê Oliveira Rodrigues, neta
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