Pesquisa na UEL estuda fake news com foco em ‘nova internet’

Olhar para o comportamento humano para intervir no ambiente virtual. Quando o assunto são as chamadas fakes news, pensar em intervenções nos meios em que elas se propagam, no caso, as redes sociais, pode ser um caminho futuro para dificultar o compartilhamento de notícias falsas.  

Para isso, no entanto, é preciso entender e avaliar o comportamento humano. É a partir desse entendimento que pesquisadores do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento, da UEL (Universidade Estadual de Londrina), estão conduzindo o projeto de pesquisa “Estudos comportamentais sobre a aceitação e difusão de fake news”, coordenado pelo professor Hernando Borges Neves Filho. 

Após uma revisão bibliográfica ao longo de 2021, desenvolvida pela estudante de Psicologia Heloisa Santana Kohatsu, com o apoio de outros participantes, a pesquisa agora dará início aos estudos com ratos, macacos e, em 2023, com seres humanos. O objetivo é entender os aspectos psicológicos e comportamentais que levam as pessoas a acreditar e compartilhar fake news e desinformação.  

Um estudo realizado por pesquisadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) aponta que notícias falsas se espalham mais rapidamente no Twitter do que as notícias verdadeiras. No estudo, os pesquisadores Soroush Vosoughi, Deb Roy e Sinan Aral descobriram também que a disseminação de informações falsas não se deve essencialmente a robôs programados. As notícias falsas são mais rápidas no Twitter com as pessoas retuitando-as.   

De acordo com o artigo “The Spread of True and False News Online”, ou “A disseminação de notícias verdadeiras e falsas online”, em tradução livre, as notícias falsas têm 70% mais chances de serem retuitadas do que histórias verdadeiras. A publicação diz que “as histórias verdadeiras também levam cerca de seis vezes mais tempo para atingir 1.500 pessoas do que para histórias falsas atingirem o mesmo número de pessoas.”  

‘JOGAR HOLOFOTES’

Neves Filho passou a se dedicar aos estudos das fake news há cerca de dois anos, e explica que elas “nascem” de uma engenharia da informação de forma que tal mensagem se torne interessante, saliente e sedutora. “O que se descobriu é que o caminho para fazer isso funcionar é jogar holofotes em cima do medo e dos anseios da população. Por exemplo, a partir da guerra da Ucrânia, você pega uma parcela da realidade e enche de conteúdo emotivo e há símbolos e palavras compartilhadas justamente para criar essa ‘realidade’. Essas palavras são até padronizadas, vai pareando estímulos e criando redes de símbolos e realidades paralelas”, explica. 

A partir dos resultados validados e publicados, Neves Filho acredita ser possível organizar o ambiente das redes sociais, criando um ecossistema mais adequado, que dificulte o compartilhamento de fake news. “É o caminho da nova internet. Porque as fakes news não vão mudar. É do ser humano compartilhar notícias, criar bolhas, ter grupos de interesses. Estudos já comprovam que muitas pessoas que compartilham fake news, sabem que estão compartilhando. Então, não se trata de compartilhar uma notícia falsa ou não, e é nesse ponto, de entender o contexto, que nosso estudo entra dentro da Ciência do Comportamento”, diz.  

INFLUÊNCIA DO AMBIENTE

Segundo o coordenador, a partir dos levantamentos iniciais, foram encontrados dados muito relevantes sobre o comportamento humano em relação às notícias falsas. Eles indicam, por exemplo, que a raiz do problema está na cultura e no ambiente em que a pessoa que divulga uma informação falsa está inserida, não tendo relação com seu nível de conhecimento ou falta de preocupação com os transtornos que elas provocam. 

Ele diz que isso ocorre porque, para essas pessoas, existem outras consequências e outros contextos mais relevantes do que o fato de uma notícia ser verdadeira ou falsa. “Alguns fatores que interferem nisso são a preocupação com o que as outras pessoas vão achar dela, agradar determinado público ou pessoa com o mesmo ideal e valores. Nunca tivemos tanto acesso à informação e isso muda a maneira do ser humano lidar ao seu redor, com o seu mundo, com as relações sociais. A ideia que a gente tem é entender o que é natural do ser humano nessa prática, a partir de estudos em laboratório”, esclarece.  

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AVISO

Ele também cita dois estudos que mostram com dados que se uma pessoa for avisada, através de uma frase na mesma mensagem, que ela está compartilhando algo possivelmente fake, já tende a diminuir o compartilhamento na hora.

“A explicação para esse comportamento é porque aumenta o custo da resposta por ter mais clicks envolvidos, além do fato de ter a mensagem avisando e pedindo a confirmação. Porém, um estudo mais recente mostra que esses avisos funcionam, mas por um determinado tempo. Resumindo, essa é uma das medidas possíveis que os dados das ciências comportamentais mostram que podemos utilizar pra controlar o espalhamento de fake news. O que as pesquisas tentam identificar agora é como e quando esse tipo de coisa funciona e não funciona, pra virar tecnologia comportamental”, afirma.  

PESQUISA 

Os estudos com ratos serão iniciados nos próximos dias, no laboratório do Programa de Pós- Graduação em Análise do Comportamento da UEL, para entender como esses animais comunicam estímulos entre si. Segundo Neves Filho, serão observados comportamentos como, por exemplo, se alguns seguirão os erros de outros e os repetirão; se há relação empática com os ratos que já se conhecem ou têm papel de liderança. “Vamos criar um modelo animal para observar se o rato responde ao mundo que está na frente dele ou sobre o que ele acha que está. Vamos começar a ver como ele raciocina na hora de resolver o problema. É um modelo bem simples para testar as variáveis”, comenta. 

O professor destaca que o Brasil se tornou o ‘laboratório’ do mundo no que se refere aos estudos sobre fake news. O motivo, segundo ele, é pela dimensão do País e pelos últimos acontecimentos. “Temos muito material, desde a Covid-19 até agora, nas eleições, que podem servir de estudos de casos.” 

ÚLTIMA FASE

Na última fase do projeto de pesquisa, Neves Filho explica que serão avaliadas centenas de pessoas de diferentes regiões brasileiras, via internet. Nessa etapa, as fake news serão estudadas especificamente no contexto do STF ((Supremo Tribunal Federal). Dessa forma, será investigado o que as pessoas pensam e falam sobre o órgão máximo do Poder Judiciário e quais notícias falsas e desinformação estão envolvidas nessas situações. 

“Em parceria com o STF, vamos tentar entender como se divulgam e se difundem as fake news na cultura brasileira, ou seja, quais aspectos permitem ou facilitam a construção e divulgação delas. Então, vamos estudar aspectos como a estrutura de um texto, como ele se organiza, quais são as partes constituintes dele e a função daquilo no comportamento humano, que geralmente envolve criar pânico moral, situações aversivas etc.”, detalha. 

Em 2022, Neves Filho foi um dos pesquisadores convidados pelo STF para integrar um grupo de estudos de combate às fake news e à desinformação. A equipe é formada por estudiosos de diferentes áreas, vinculados às universidades públicas e privadas, além de agências de checagem de notícias. A ideia do órgão é criar uma rede de contatos para que esses pesquisadores discutam o tema entre si, buscando entender e encontrar soluções para o problema.

“Todo esse trabalho tem a ver, também, com em algum momento nós criarmos uma tecnologia e outras maneiras que auxiliem o STF nessa tarefa de se autoexplicar, de se colocar na mídia e evitar esses buracos de desinformação”, conclui o professor. (Com Agência UEL) 

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