Na semana passada, foi publicada a Resolução Nº 2.314 do Conselho Federal de Medicina, que define e regulamenta a telemedicina, designando-a como o exercício da medicina mediado por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação. O ato vem após longa revisão da resolução 2.227/2018, revogada em 2019, logo depois de ser publicada, em virtude do grande número de manifestações de médicos e entidades da classe discordando de vários pontos do documento. Agora, aquilo que gerava insegurança em alguns médicos e pacientes e causava furor em visionários e entusiastas de várias startups ficou muito mais claro e seguro para todas as partes envolvidas.
Havia várias ressalvas ao uso da telemedicina, seja por desconhecimento, seja por ainda permanecerem arraigados os velhos preceitos da academia médica. Contudo, veio a pandemia e nos vimos obrigados a mudar conceitos e quebrar preconceitos.
Pessoalmente ressabiado em atender por uma tela de computador alguém que nunca tinha visto antes, acabei cedendo em avaliar uma senhora por insistência de outra paciente minha, amiga da família.
E me surpreendi com o resultado. Mesmo a distância, foi possível estabelecer um diagnóstico e instituir uma terapia que teve resultado bastante satisfatório, ficando nosso contato reservado para um segundo momento mais propício e menos perigoso. E criamos uma relação médico-paciente, ainda que fisicamente estivéssemos em locais distintos.
O fascinante é que a telemedicina não consiste somente na realização de uma consulta por meio de um software de conferência online. Ela abrange da conexão de sua casa com o serviço de saúde de sua referência ou com seu home care até projetos de hospitais híbridos.
Isso mesmo. Assim como o trabalho em regime híbrido, dividido entre casa e empresa, o futuro prevê hospitais híbridos.
Um estudo piloto realizado na Mayo Clinic, nos Estados Unidos, procurou validar o conceito deste tipo de serviço. O paciente tem alta antes do habitual, seguindo rigorosos critérios para tal, e fica em sua casa, onde está instalado um totem conectado diretamente à equipe hospitalar multiprofissional que lhe presta assistência.
O sistema permite transferência de dados vitais, relato de sintomas, retirada de dúvidas, confirmação do uso correto das medicações etc. Caso necessário, é ativada uma cadeia de ações, incluindo acesso venoso, entrega e administração de medicação, fisioterapia e enfermagem na casa do paciente.
Ainda dentro das possibilidades da telemedicina tem-se a criação e disseminação de conhecimento médico remoto e criação de redes virtuais de discussão, diagnósticos e suporte a tomadas de decisão. Tudo com o apoio de inteligência artificial.
Mas e o contato médico? E o olho no olho durante a consulta? A primeira avaliação?
Não há dúvida, até o momento, de que tocar o paciente é um insubstituível. Ao palpar seu pulso, em poucos segundos percebe-se se está cheio enquanto já se observa sua frequência cardíaca, se a pele está fria e pegajosa, se a perfusão e circulação estão adequadas, se a pessoa está ofegante. No entanto, isso também está sendo revisto, com startups engajadas na criação de dispositivos que permitem exame físico a distância. O TytoCare, por exemplo, possibilita a realização de ausculta cardíaca, pulmonar e avaliação de ouvido e garganta.
As novas tecnologias não irão substituir os médicos. Da mesma forma, nenhum aplicativo conseguirá transformar alguém com formação deficitária em um ótimo médico com o teclar de alguns dados.
Elas irão somar, como sempre fizeram. Mas os médicos que não quiserem usá-las correm o risco de serem substituídos por aqueles que as utilizam. Correm sério risco de tornarem-se obsoletos.
O escritor Alvin Toffler já refletia, na década de 1980, que os analfabetos do próximo século não seriam aqueles que não sabem ler ou escrever, mas os que se recusam a aprender, reaprender e voltar a aprender, e que a mudança é o processo no qual o futuro invade nossas vidas.
Não temos como fugir dele. Precisamos interagir e incorporar. Que venha o futuro que já chegou.
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