SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Marcos Tadeu Alonso, 64, lembra-se de assistir pela televisão o último jogo de Sir Alex Ferguson como técnico do Manchester United em Old Trafford. Os jogadores dos dois times ficaram perfilados para aplaudi-lo, a torcida formou mosaico e o sistema de som do estádio tocou “The Impossible Dream”, composta para o musical da Broadway Man of la Mancha. O ano era 2013.
“Eu achei linda a homenagem. Aí escutei a transmissão dizer que o Ferguson havia conquistado 38 títulos em 30 anos [27, na verdade]. Meu pai venceu 38 títulos em 12 anos no Santos. Se você perguntar para a molecada de hoje, ninguém sabe quem foi o Lula, tenho certeza”, afirma.
Marcos é filho de Luis Alonso Perez, o mais importante técnico da história do clube de Vila Belmiro e um dos mais vencedores do futebol brasileiro em todos os tempos. Nesta terça-feira (22), ele completaria 100 anos.
O Santos prestou-lhe uma homenagem antes do clássico contra o São Paulo, neste domingo (20). O filho do treinador ficou grato, mas não impressionado.
“Demorou 50 anos, mas veio [a homenagem]”, completou.
A opinião com certa amargura de Marcos Tadeu casa bem com o título da biografia “Lula, o Campeão Esquecido”, em pré-venda pela Editora Corner (R$ 59), a ser lançada nos próximos meses.
Para contar a trajetória do treinador que comandou o Santos entre 1954 e 1966, o jornalista Fernando Campos Ribeiro teve uma preocupação principal: desmistificar a imagem que até hoje existe de Lula no futebol. A de que o time era tão bom, mas tão bom, que que ele atirava as camisas para o alto e quem as pegasse, jogava.
“Acham que o Santos de Pelé durou de 1956 a 1974. Na verdade, foram diferentes Santos de Pelé. O Lula montou várias equipes. Ele pega um time em que o centroavante era o Álvaro e o faz trocar de posição com Del Vecchio. Depois vem Pagão. Vende o Pagão, tem o Coutinho. Lula sabia a hora de colocar o jovem. Ele tinha o time na mão. Os jogadores o respeitavam e o entendiam”, explica o autor.
Fazer a biografia do técnico foi, muitas vezes, lutar contra o mito. Outra lenda é que quem mandava mesmo era o capitão Zito. Ou que Lula não entendia de futebol porque usava expressões como “vocês quatro vão formar um triângulo no ataque.”
“Ele podia ter alguma dificuldade para se expressar, mas tinha experiência de vida inigualável. Conseguia fazer os 11 melhores jogarem sem deixar bravo quem ficava fora. Quando o Pepe entrou, o titular da ponta esquerda era o Tite. Ele o passou para a direita e não houve reclamações”, diz Fernando.
“O Zito era uma liderança grandiosa dentro e fora de campo. Tinha ascendência sobre os companheiros e até ajudava alguns a renovar contrato. Mas o Lula entendia o que o Zito representava e dava espaço para que fizesse isso. Se fosse outro técnico, teria ciúmes”, completa.
Nos 12 anos de Santos, ele venceu dois Mundiais e duas Libertadores (1962 e 1963), cinco campeonatos brasileiros (de 1961 a 1965) e obteve oito paulistas (1955, 1956, 1958, 1960, 1961, 1962, 1964 e 1965), entre outros títulos.
Sua saída foi ocasionada pela campanha ruim (para os padrões do clube na época) em 1966. A equipe perdeu o estadual para o Palmeiras e foi vice na Taça Brasil ao ser derrotada pelo Cruzeiro. Uma das mágoas que lhe ficaram até a morte foi que alguns jogadores pediram a sua saída em uma reunião.
Lula foi dirigir o Corinthians e quebrou o tabu que ajudou a construir pelo Santos. Era o técnico da equipe de Parque São Jorge quando a escrita de 11 anos sem vitórias sobre o rival no Campeonato Paulista terminou, em 1968.
“No futebol brasileiro só se sobressai marqueteiro e jabazeiro. Meu pai amava o Santos. Ele queria construir o Santos. Era uma pessoa simples e não babava o ovo de ninguém. Do jeito que falam, parece até que o Santos não teve técnico naquela época. Então, a realização desse livro é um sonho meu”, completa Marcos Tadeu.
A obra foca também o período de ouro da várzea da Baixada Santista, nos anos 1940, em que Lula ganhou tanto que era procurado por times profissionais. Também relata como ele criou a fórmula de colocar em campo equipe de jovens, mas mesclada com algumas peças experientes em posições fundamentais.
Foi assim em 1956, quando o Santos conquistou o bicampeonato paulista após Lula levar para o clube o meia Jair Rosa Pinto que, aos 36 anos, era considerado velho.
“Esse negócio de Meninos da Vila, que teria começado com o Formiga (treinador campeão estadual de 1978), por exemplo. Ele aprendeu com o meu pai, que já fazia isso. O Formiga foi treinado pelo meu pai”, completa o filho do lendário técnico.
Lula morreu em 1972, aos 50 anos, por complicações após passar por transplante de rim. Para a família, sua saúde começou a se deteriorar quando deixou o Santos. Seu sonho de voltar ao clube nunca se realizou.