Com Almodóvar na Netflix, saiba quais os melhores e piores filmes

FOLHAPRESS – “Mães Paralelas” é mais um ponto alto na carreira de Pedro Almodóvar, como o foram, a seu tempo, “A Lei do Desejo”, de 1987, “Carne Trêmula”, de 1997, e o hitchcockiano “A Pele que Habito”, de 2011. Felizmente, parte dos filmes do espanhol entrou no catálogo da Netflix nesta semana, e o mais recente estará disponível a partir de sexta-feira.

Nesses pontos, por vezes igualados, ou quase, por filmes próximos cronologicamente, seu estilo se apresenta de forma plena, sem grandes desvios titubeantes ou limitações narrativas. Se “Julieta” inicia, em 2016, uma nova fase, “Dor e Glória”, de 2019, a confirma, e “Mães Paralelas” a enriquece.

Da primeira fase, entre 1978 e 1985, permeada por comédias pós-franquistas em que a libertação sexual coincide com as inúmeras referências estéticas do diretor –de Douglas Sirk a Fassbinder, de Buñuel a Godard– o assinante poderá ver o terceiro longa, “Maus Hábitos”, de 1983, que talvez seja o mais próximo que Almodóvar chegou do espírito de Buñuel.

No longa seguinte, “O Que Fiz Eu Para Merecer Isto?”, de 1984, começa a se estabelecer a poética do diretor, marcada por elementos mais ou menos notáveis em seus filmes seguintes –cenas de programas ou comerciais televisivos usados como sátira ou comentário crítico; arroubos melodramáticos em meio a um contexto paródico; cores e canções exacerbando os sentimentos.

Sem falar na diversidade sexual e a questão dos transgêneros, famílias desestruturadas ou separadas por acontecimentos trágicos, mulheres às voltas com a brutalidade masculina –como na obra do cineasta japonês Kenji Mizoguchi.

“A Lei do Desejo”, de 1987, conjuga pela primeira vez as referências mencionadas com um estilo maneirista muito bem-sucedido. É uma fábula cruel de amor louco, com interpretação marcante de Antonio Banderas.

Os filmes seguintes procuram afinar a fórmula do início da carreira com um estilo já mais consolidado e constituem a fase da consagração internacional, na qual Victoria Abril se torna a grande parceira criativa do diretor. O melhor é “Ata-me”, de 1989, ausente do pacote da Netflix. Mas está presente “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”, de 1988, e ainda sem Abril. É importante no uso das cores e talvez seja o primeiro grande sucesso do diretor, ainda maior que “Matador”, de 1986.

Infelizmente, “De Salto Alto”, de 1991, e “Kika”, de 1993, revelam um esgotamento da comédia sexual à Almodóvar. O primeiro já apresenta uma forte carga melodramática, retomando “O Que Fiz Eu Para Merecer Isto?” e antecipando, ao mesmo tempo, a fase mais influenciada por Douglas Sirk, da segunda metade dos anos 1990. Mas tem uma trama mal desenvolvida, cuja porção policial é francamente pífia.

“Kika” tenta retomar o espírito libertário e explosivo de seu primeiro longa, “Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão”, de 1980, agora com orçamento muito maior. Fracassa no ritmo e na falta de graça nas piadas verbais e visuais. E ainda tem uma sequência abjeta envolvendo estupro dentro de um contexto cômico. Lamentável maneira de filmar algo tão grave.

O longa seguinte, “A Flor do Meu Segredo”, de 1995, revela o desejo de abraçar o melodrama de maneira decisiva. Sirk e Fassbinder assumem a dianteira no caldeirão referencial, e uma nova fase se inicia. No lugar das mulheres atiradas ou nervosas de outrora, a sensibilidade no trato das questões femininas pela qual o cineasta se tornará mais celebrado. É o início ainda indeciso de uma nova fase que trará a ele ainda mais consagração, fará dele uma grife.

O ponto alto dessa fase aparece já no filme seguinte, “Carne Trêmula”, em que o melodrama encontra o policial e o estilo se assemelha ao de Brian De Palma. A depuração se mantém no igualmente belo “Tudo Sobre Minha Mãe”, de 1999, infelizmente ausente do ciclo da Netflix, e se prolonga ainda com “Fale com Ela”, de 2002, um de seus filmes mais elogiados, belo ensaio sobre o poder do amor e do sexo. Essa sequência de três filmes consecutivos é provavelmente a mais forte de uma carreira marcada pela irregularidade e pelo risco.

“Má Educação”, de 2004, é o típico filme de crise, em que as belas ideias convivem com cenas constrangedoras. Poderia ser o “Oito e Meio” de Almodóvar, mas é apenas uma obra de entressafra. Bem melhor é “Volver”, de 2006, que retoma a atmosfera da segunda metade dos anos 1990 numa chave nostálgica que combina com seu estilo.

OS FILMES DE ALMODÓVAR NA NETFLIX, DO MELHOR AO PIOR

A LEI DO DESEJO (1987)

Avaliação: Ótimo

Comentário: A primeira e decisiva depuração do estilo

CARNE TRÊMULA (1997)

Avaliação: Ótimo

Comentário: Do natal de 1970 ao natal de 1996, sob o signo de Brian De Palma

FALE COM ELA (2002)

Avaliação: Muito bom

Comentário: Um feito: no limiar do piegas e do abjeto, sem cair em um ou outro

MÃES PARALELAS (2021)

Avaliação: Muito bom

Comentário: Melodrama filmado como um suspense político

VOLVER (2006)

Avaliação: Bom

Comentário: As voltas do cinema de Almodóvar simbolizadas em uma outra volta

MAUS HÁBITOS (1983)

Avaliação: Bom

Comentário: Provocação buñueliana típica do início de sua carreira

A FLOR DO MEU SEGREDO (1995)

Avaliação: Bom

Comentário: Início indeciso, mas com bons momentos, de uma ótima fase melodramática

MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS (1988)

Avaliação: Bom

Comentário: O espectador não chega a ter um ataque de risos

MÁ EDUCAÇÃO (2004)

Avaliação: Regular

Comentário: Filme de crise, que encontrará seu irmão maduro em ‘Dor e Glória’

KIKA (1993)

Avaliação: Ruim

Comentário: Entre a falta de graça e o abjeto

DE SALTO ALTO (1991)

Avaliação: Ruim

Comentário: É a velha expressão do futebol: ‘Entrou de salto alto’

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