Numa das primeiras conversas filosóficas que mantive com um dos meus grandes mestres, Gerd Bornheim, ele fazia questão de lembrar que “a melhor forma de entendermos e nos fixarmos na realidade passa e perpassa necessariamente pela abstração”, por uma profunda intelectualização dos processos de conhecimento gerador de saberes. Pelo exercício teórico e pelas metodologias que conseguem alcançar, captar inúmeras determinações de uma realidade, de um fenômeno ou de um fato a ser explicado.
Isso porque, a realidade é sempre movimento com dificuldade de fixá-la e, ela dificilmente se revela imediatamente, para tanto, necessitamos um esforço do pensamento e da abstração que sinalize atingir esse alcance. Essa também foi uma lição do mestre entender com profundidade a construção e moldagem da modernidade com seus construtos e contradições. Que possibilite clarear o percurso do entendimento numa escuridão donde ela geralmente se encontra.
Esta postura, mesmo que na vida cotidiana nos leva a outros caminhos e descaminhos e, devemos adotar o tempo todo em nossa vida, com o seguinte fundamento: se não for possível explicar com maiores detalhes e embasamento um fato é melhor nos calar, observar, acompanhar sem nosso pronunciamento, pois corremos o risco de fazer desta intervenção geradora de uma narrativa quase sempre inapropriada pela sua insuficiência explicativa e correlata aos fatos analisados. Se avançados de forma consciente na formação, muito mais complexa dessa alta modernidade que vivemos, não seriam oportunas leituras, afirmações e narrativas rasas.
Gerd não viveu para presenciar, analisar este tempo de contatos, influências e narrativas cibernéticas, pois nos deixou justamente no início desta era. Penso que estarrecido, pelo quadro que encontraria, poderia lembrar o quão importante faz-se necessário retomar leituras, aprofundar análises, ter o cuidado seletivo na escolha dos elementos teóricos e metodológicos para não alimentar o vazio do percurso analítico. Para desatar o nó que a modernidade no qual ele, de forma brilhante, já havia pesquisado, demarcado seus princípios, seus passos e decorrências, assim como das contradições que se acumularam e dos desdobramentos consequentes.
Estas decorrências nos colariam numa posição numérica quantitativa que já existe com a emergência das mídias e redes digitais. E, facilmente, perderíamos no turbilhão de informações e imprecisões que comandam de forma hegemônica esse meio, que bate e rebate na formatação e reprogramação cerebral dos humanos de nosso tempo. E esta é, sem dúvida, muito distante de uma intelectualização onde o pensar comanda os processos geradores de conhecimentos factíveis para viver, compreendendo de forma mais profunda este conjunto de implicações.
Outra postura, orientada pelo mestre, difícil de conviver e pertencer a esse mundo é do aprofundamento constante em nossos estudos e trabalhos científicos. Sem dúvida, um caminho espinhoso, de dedicação, de desafetos, de invisibilidade, de não reconhecimento e de afastamento de um convívio social. Ao mestre agradeço a orientação e inspiração para trilhar por esses labirintos enigmáticos do conhecimento. Temo, porém, que talvez se meu grande mestre, hoje vivo estivesse, seria mais um pensador, na multidão de surdos, cegos, esses comandando vozes eletrônicas coisificadas atordoando a todos nós.
Obs: Gerd Bornheim nasceu em 19/11/1929 e faleceu em 05/09/2002 foi um dos maiores filósofos contemporâneos e crítico de arte.
Paulo Bassani é cientista social, Escritor e professor universitário em Londrina