São Paulo – Analistas de mercado têm a avaliação que o desempenho da Bolsa brasileira em 2023 estará condicionado principalmente ao plano de voo do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no campo fiscal.
Os investidores estrangeiros, que desde a corrida presidencial já demonstravam maior otimismo com um novo mandato do petista em comparação aos agentes de mercado no Brasil, apresentam uma visão mais favorável sobre a condução da política econômica do governo no ano que vem, o que os leva a projetar uma performance mais destacada das ações.
Cálculos dos bancos internacionais Bank of America (BofA) e JPMorgan projetam o índice de ações Ibovespa em 135 mil e 130 mil pontos em dezembro do ano que vem, respectivamente. Na sexta-feira (16), o índice encerrou os negócios aos 102.855 pontos, com uma queda de 1,9% no acumulado do ano.
Os “gringos” apostam que, apesar dos ruídos, a equipe econômica do governo eleito apresentará alguma regra fiscal no lugar do teto de gastos que seja capaz de controlar a trajetória de crescimento da dívida pública, o que irá abrir espaço para a queda da inflação e da taxa Selic. Nesse cenário esperado à frente, a queda dos juros poderá levar a uma reprecificação das ações na Bolsa de Valores.
Já no caso dos investidores locais, a visão é bem mais cautelosa. O Banco Inter e a Genial Investimentos estão entre as casas mais pessimistas, com estimativas que apontam para o principal índice de ações da Bolsa brasileira aos 118 mil e 109,7 mil pontos no final de 2023, por acreditarem que o risco fiscal não permitirá ao BC (Banco Central) iniciar tão cedo o ciclo de corte na taxa Selic, impedindo um ajuste para cima nos preços das ações.
Selic para baixo, Bolsa para cima
Mais otimista com o mercado brasileiro em 2023, a equipe de analistas do BofA diz que o cenário-base com o qual trabalha pressupõe “algum tipo de âncora fiscal”, com a taxa Selic terminando o próximo ano em 10,50%, uma queda de 3,25 pontos percentuais ante os atuais 13,75% ao ano.
Na mesma linha, o JPMorgan afirma que a valorização esperada para o Ibovespa em 2023 decorre, em grande medida, da expectativa de um corte de 2,25 pontos na Selic ao longo dos próximos 12 meses, com a taxa de juros em 11,50% ao final de 2023.
“Embora haja um ruído significativo neste momento que dificulta a visibilidade sobre qual será a política fiscal do novo governo, há uma chance razoável de algum tipo de arranjo fiscal, que permita que um cenário de taxas de juros mais baixas seja alcançado por meio de uma combinação de pressão do mercado e do Congresso”, apontam os analistas do JPMorgan, que também não descartam um aumento dos impostos para compensar o aumento previsto dos gastos do governo.
Os analistas do BofA destacam ainda que a rotação das ações para a renda fixa nos últimos meses, e uma eventual reversão dessa tendência com a queda da Selic, pode favorecer o desempenho da Bolsa brasileira no ano que vem.
Nesse cenário, o fluxo estrangeiro para as ações, que tem sido forte ao longo de 2022, com saldo positivo de R$ 110 bilhões no acumulado do ano, até 14 de dezembro, pode contribuir para sustentar uma valorização do Ibovespa, dizem os especialistas do BofA.
Eles preveem também que o crescimento da economia do país em 2023 –a estimativa do banco americano é de uma expansão de 0,9% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil no próximo ano– dará as condições necessárias para um aumento nos lucros das empresas com ações negociadas na B3.
“Esperamos que as empresas do Ibovespa aumentem os lucros com sucesso nos próximos dois anos”, dizem os analistas do BofA.
Eles apontam as exportadoras de commodities Vale, Gerdau, SLC Agrícola e PetroReconcavo entre as ações que podem se destacar positivamente em 2023, em um cenário de reabertura econômica na China, gargalos na cadeia de suprimentos na esteira da Guerra da Ucrânia e dólar forte por causa dos juros mais altos nos Estados Unidos.
Itaú, Banco do Brasil e BTG também são citados pelos analistas do BofA como nomes vistos com bons olhos, embora não com a mesma atratividade que ofereciam no início deste ano.
O JPMorgan, por sua vez, vê a Natura como uma ação com alto potencial de valorização, com um aumento do consumo impulsionado por benefícios sociais podendo abrir espaço para o aumento das receitas da companhia. A Gol, por outro lado, é um nome a ser evitado, em um ambiente macroeconômico global desfavorável, com preços dos combustíveis e dólar em alta, dizem os analistas do JPMorgan.
Genial prevê Selic entre 14% e 15% em 2023 para compensar deterioração do quadro fiscal Com uma visão bem menos otimista do que os pares globais, o estrategista de ações da Genial Filipe Villegas afirma que, diante da deterioração fiscal esperada para o país como consequência do aumento das despesas acima do teto de gastos, o BC será obrigado retomar o ciclo de alta da taxa Selic para controlar as expectativas de inflação dos agentes de mercado.
“Antes das eleições, nosso cenário-base era de queda da taxa de juros no segundo trimestre ou no segundo semestre de 2023. Agora, passamos para uma expectativa de alta dos juros”, afirma Villegas.
Ele diz que a Selic pode alcançar patamares entre 14% e 15% ao longo do ano que vem, o que deve conter uma alta mais expressiva da Bolsa de Valores, seja pela atratividade da renda fixa que seguirá alta, seja pelo valor justo projetado pelos analistas de mercado para as ações que continuará sob pressão.
O estrategista de ações da Genial afirma que, em um cenário de atividade econômica impactada negativamente pelos juros altos, tem preferência na Bolsa por papéis de consumo básico, como das redes de supermercados. “Gostamos bastante do setor de supermercados, que, ante uma atividade econômica mais fraca, deve apresentar maior resiliência.”
Villegas diz ainda que o perfil dos governadores eleitos de São Paulo (Tarcísio de Freitas), Minas Gerais (Romeu Zema) e Paraná (Ratinho Jr.), dá uma visão positiva para as ações das estatais Sabesp, Cemig, Copasa, Sanepar e Copel.
“Enxergamos uma maior probabilidade de essas empresas serem privatizadas nos próximos anos, dado o perfil dos governadores eleitos”, afirma o estrategista, acrescentando que a busca por receitas adicionais também pode pesar a favor das privatizações nos estados.
Empresas do setor de energia elétrica, que têm os contratos indexados ao IPCA e ao IGP-M e podem se beneficiar de uma inflação que, embora em desaceleração, seguirá em patamar elevado, são citadas pelos analistas do Banco Inter entre as oportunidades enxergadas para a Bolsa brasileira em 2023.
“No ramo de seguros, podemos ver uma normalização das operações e da sinistralidade contribuindo positivamente para os resultados, junto com receitas financeiras maiores”, dizem os analistas do Banco Inter, que citam ainda entre as preferências para 2023 o setor agrícola, resiliente mesmo em momentos de desaceleração global, e o de papel e celulose, ainda favorecido pelos choques de oferta no continente europeu.