Natal chegando: hora de pacificar o WhatsApp

 Pouco antes das oito horas da noite, no dia 30 de outubro de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva estava matematicamente eleito para o seu terceiro mandato como presidente do Brasil. Não foi possível agradar a todos, como acontece em qualquer democracia. A população brasileira foi convocada a ir urnas para escolher a figura que os representariam no ano seguinte, em uma das eleições mais acirradas desde 2014, onde Dilma Rousseff, representante do PT, e Aécio Neves, do PSDB, disputaram as eleições que deram vitória a candidata petista com a diferença de 3,21 pontos percentuais entre eles.

A diferença das últimas eleições para a atual foi a proporção que as informações – e também as desinformações – tomaram dentro dos grupos de WhatsApp, Telegram, Instagram, Twitter e outras formas de socializar digitalmente.

E o que não fica de fora nos momentos de debate político são as pessoas que sempre estiveram por perto para conselhos, mas agora pensam completamente diferente a respeito do futuro do país, a família.

Vai ter Natal na sua casa?

Atualmente 60.345.99 pessoas no Brasil elegeram um presidente cujo as ideias o representam ou foi para eles a melhor opção no momento, mas dentro da massa de 58.206.354 brasileiros, existem grupos que não se sentem representados pelo resultado e outros, ainda mais radicais, mostraram nas ruas a não aceitação do resultado com a paralisação de caminhões, obstrução de estradas e manifestações em frente a quarteis e pedidos pela intervenção militar.

Todos esses comportamentos e embates não ficaram só nas urnas e do portão para fora de casa, assuntos de política viraram proibidos dentro de círculos de amigos e almoços de domingo. Memes circulam na internet sobre o como serão as festas de final de ano, nas confraternizações em empresas após discussões inflamadas sobre quem ganhou a eleição e qual a ideia melhor para o país.

Os grupos de WhatsApp de família foram ocupados por textos de sobre política, correntes para passar para mais 10 amigos, vídeos sobre de debate e figurinhas do candidato escolhido, mas o que fica após apertar a tecla verde e confirmar o voto na urna é a concretização de que mesmo as pessoas mais próximas  também conseguem ter pensamentos opostos e que, muitas vezes, invadem o limite do projeto de vida uma das outras.

Esta família é muito unida…

Para a designer gráfica Bia Figueiró, 39, o domingo de segundo turno das eleições (30 de outubro) também foi destinado ao seu aniversário, quando reuniu a família e amigos justamente em um dia tão crucial, após uma longa semana de debates na TV e na internet entre eleitores e candidatos.

Na festa de aniversário de Bia Figueiró, placas indicavam o assunto `proibido´ |  Foto: Arquivo pessoal 

O desafio era curtir o dia em harmonia. Para isso, algumas regras foram estabelecidas. “Meu aniversário caiu bem no dia do segundo turno, eu queria fazer um almoço para reunir alguns amigos e a família, mas minha mãe estava com receio de que fosse ter algum tipo de discussão, por isso coloquei um aviso de que esse assunto (política) não deveria ser mencionado no aniversário”, explica Figueiró que usou plaquinhas nas mesas da festa para mostrar que o dia não era de discussão

“Metade da família votava em um candidato e outra no opositor. Eu e meu irmão havíamos saído recentemente do grupo de WhatsApp da família, lá as discussões já estavam passando dos limites. Mesmo assim quis arriscar e reunião com todo mundo, desde que não fosse falado em política, e deu certo! Quando as apurações começaram, o pessoal começou a ir embora (risos)”, contou.

A política não fica somente dentro dos grupos de WhatsApp, na nuvem digital ou nos stories que somem após 24 horas, o assunto passou a ser excessivo para a maioria das pessoas que depositam expectativa no que se acredita e a frustração mora logo ali. 

Tolerar o outro

Para o psicanalista Sylvio Schreiner, 43, a dificuldade está em entender que muitas vezes o outro pode não ser seu semelhante nas ideias. “O que podemos ver é uma intolerância ao ‘não eu’. Existem outras pessoas que podem pensar, ver e ouvir diferente do que eu. O que podemos fazer para precaver e preservar dos desgaste é tolerar o outro, é tolerar que o outro exista, mesmo que você não concorde e não faça sentido, mas o outro tem o direito”, diz.

Para o psicanalista Sylvio Schreiner, a dificuldade está em entender que muitas vezes o outro pode não ser seu semelhante nas ideias |  Foto: Divulgação 

Durante a festa de aniversário, ainda escapou alguns momentos, mas que foram levados na risada, “Teve algumas brincadeiras do tipo ‘não pode falar de política, mas se falar da pessoa candidata, aí não conta como política, né pessoal?’. Até a minha sobrinha de 11 falou ‘tia, Bia, adorei essas placas, não aguentava mais ouvir falar disso’”, conta Bia.

Para o psicanalista será necessária, para todos, muitas conversas e relevações após esse período. Ele comenta os caminhos para retomada de paz entre os grupos:  “Sendo humilde, pedindo desculpas e fazendo um autoexame. Procurar saber o que realmente nos mobilizou porque não foi a política, foram outras paixões e outros elementos e adoecimentos. Isso já existia entre os grupos de familiares e amigos, a política só serviu de estopim, o meio onde se propagou. Será necessário paciência, muito respeito ao outro e humildade”.

“Eu vou expor ela!”

Gabriela Brandini, 27, é lojista e digital influencer, trabalha com redes sociais já há alguns anos e sempre expôs a sua opinião sobre diversos assuntos, política é um deles. Um dos maiores movimentos vistos no dia 30 foi a queda de seguidores nos perfis que traziam a mostra o seu voto, inclusive esse foi um dos grandes debates nas redes sociais, o pedido de fãs para que seus ídolos de variadas áreas profissionais contassem em quem iria votar, divulgando a sua opinião política, mas não foram todos que aderiram ao movimento.

A psicóloga clínica Gabriela Castro lembrou que a interação social se tornou muito pautada no que acontece nas redes sociais |  Foto: Divulgação 

Para Brandini, a opinião é importante, dentro de casa e também nas redes. “Em 2018, eu e o restante dos jovens da minha família votamos no mesmo candidato para a presidência, também uma tia que é professora de história, votou nesse mesmo candidato de esquerda. Já o restante da família optou pelo outro nome que foi eleito. Passando os quatro anos, alguns desses que haviam votado no até então atual presidente optaram por mudar de voto desta vez, mas isso nunca foi conversado. Também houve a pandemia que gerou um afastamento com o distanciamento social, então não tiveram grandes embates na família”, explicou. 

Desde 2018, as redes sociais têm sido o grande palco para o tema. Mesmo não querendo estar por dentro do assunto, não teve quem escapou de uma propaganda política, uma fake news, um meme ou promessa de eleitor.

`Calor do momento´

Gabriela Castro, 27, é psicóloga clínica e traz algumas observações sobre as redes sociais nesse período eleitoral: “Os efeitos gerados na saúde psicológica em decorrência aos debates políticos são vastos, não só dos políticos, mas de qualquer outra manifestação ou expressão nas redes sociais. Na última década houve um advento muito forte das redes sociais, tornando-se parte da vida de uma maneira muito diferente do que era anteriormente”, comentou. 

Ela lembrou que a  interação social se tornou muito pautada no que acontece nas redes sociais. “Antes existia uma cisão maior entre a realidade cotidiana e a realidade virtual, isso vem se fundindo e gera efeitos psicológicos de proporções importantes na saúde mental. Não é mais uma mídia distante como a televisão, com um tempo de reação diferente e maior. Agora é o calor do momento das interações mais rápidas, como WhatsApp e Instagram. Então elas têm um efeito de peso maior no psicológico”.

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