DOHA, QATAR (FOLHAPRESS) – No terceiro ato do sexto filme de Rocky Balboa (2006), o lutador, já na casa dos 60 anos, é confrontado por seu filho sobre a decisão de voltar aos ringues para uma luta contra o campeão mundial dos pesos-pesados.
Além de temer pela saúde do pai, Robert tem medo de que Rocky se torne motivo de chacota. É neste momento que Sylvester Stallone dando vida ao personagem que o consagrou nos cinemas diz a fala que sintetiza o espírito do boxeador.
“A vida não é sobre quão duramente você é capaz de bater, mas sobre quão duramente você é capaz de apanhar e continuar indo em frente.”
Na Copa do Mundo no Qatar, ninguém encarna esse princípio como a seleção de Marrocos. “Somos o Rocky Balboa desta Copa”, definiu o próprio técnico marroquino Walid Regragui, 47.
Classificada ao mata-mata como líder do Grupo F, deixou para trás Bélgica, Espanha e Portugal antes de chegar à semifinal, tornando-se a primeira seleção africana a ir tão longe na competição.
O enredo é quase tão improvável quanto a história do lutador amador que se tornou campeão mundial desafiando adversários consagrados.
“Se me dissessem no início do Mundial que chegaríamos à semifinal, ganhando de Bélgica, Espanha e Portugal, teria dito que era impossível”, reconhece Regragui.
Mas os marroquinos chegaram. Nesta quarta-feira (14), vão enfrentar a França, atual campeã, às 16h (de Brasília), no estádio Al Bayt, em Al Khor, no último round antes da sonhada decisão, no domingo (18).
O treinador de Marrocos conhece bem o adversário. Ele nasceu na França, em Corbeil-Essonnes, um distrito a sudoeste de Paris. Assim como metade do elenco que comanda, é filho de migrantes marroquinos e por isso escolheu defender a nação de seus pais.
Primeiro, ele fez isso como lateral direito, de 2001 a 2009, em período no qual acabou não tendo a chance de disputar um Mundial. Entre a edição de 1998, na França, e a de 2018, na Rússia, a equipe viveu um hiato na competição.
Regragui também não tinha o talento dos atletas que comanda atualmente, muitos dos quais são responsáveis pelas duas classificações consecutivas. Depois de começar a carreira em clubes pequenos da França, teve como maior clube de sua trajetória o Racing Santander, da Espanha.
Como treinador, passou por times de Marrocos e do Qatar antes de, enfim, ter a chance de representar seu país em um Mundial.
A oportunidade chegou a apenas três meses do início do torneio no Oriente Médio, com a demissão do bósnio Vahid Halilhodzic, 70, pela Real Federação Marroquina de Futebol.
Ele comandava o grupo desde 2019 e foi responsável por classificar o time para a Copa, mas a entidade que comanda o futebol no país apontou “diferenças de ideias” para desligá-lo.
Era um problema de relacionamento. Ele entrou em rota de colisão com algumas das principais estrelas do time, como Hakim Ziyech, atacante do Chelsea, a quem oacusava de não se dedicar nos treinos e nos jogos.
Quando Regragui assumiu a seleção, sua primeira missão era justamente reagrupar o elenco. Trazer Ziyech de volta foi uma de suas decisões. Na Copa, o atacante tem sido um dos destaques do time. Tem um gol e uma assistência.
Além de promover retornos de atletas afastados por seu antecessor, ele buscou criar um ambiente familiar. No Qatar, o técnico não só permitiu que os jogadores levassem seus familiares como incentivou o convívio entre eles durante a competição.
Uma das imagens mais marcantes após a vitória sobre Portugal, por 1 a 0, nas quartas de final, foi a do meia Sofiane Boufal dançando com a mãe no gramado do estádio Al Thumama. O lateral Achraf Hakimi também foi visto beijando sua mãe nas arquibancadas.
Boufal, nascido na França, e Hakimi, nascido na Espanha, também representam uma importante característica do elenco. Metade do time nasceu na Europa, 13 dos 26 convocados. A maioria escolheu representar o Marrocos justamente por influência das mães.
“Quando você joga pela seleção, você é marroquino. Só seleciono os jogadores que acho que podem trazer algo para o time. Muitos duvidaram desses atletas. Muitos deles podem jogar na Europa. Na seleção, é preciso criar esse espírito de time”, afirmou Regragui.
Ele é fiel às suas ideias táticas. Na Copa, não se importa de ver sua equipe sendo tachada de retranqueira, ter pouca posse de bola e priorizar, sobretudo, os contra-ataques.
É o estilo dele e será mantido contra a França.
“Vamos jogar com nossas forças. Estamos numa semifinal, e esse lado da posse de bola… É incrível como vocês jornalistas gostam de posse de bola. Mas de que vale a posse de bola se você finaliza só duas vezes?”, questionou.
Fã declarado de Pep Guardiola, o treinador disse que teve o técnico do Manchester City como sua principal referência por muito tempo. Mas não segue mais o estilo do ídolo, conhecido pelo futebol de controle da bola.
“Se [o presidente da Fifa, Gianni] Infantino começar a dar pontos por posse de bola, aí será diferente”, ironizou.