No drama francês “A Acusação”, em exibição nesta quarta-feira (23) , às 19h30, e também na próxima semana – de segunda a quarta-feira às 16h e às 1930h – no Cine Ouro Verde, um jovem é acusado de ter estuprado uma jovem. Quem são esses dois? Ele é culpado ou inocente? Ela é uma vítima ou apenas tem sede de vingança, como
alega o réu?
Os dois jovens protagonistas e seus familiares e amigos verão suas vidas, convicções e certezas destruídas, mas… existe apenas uma verdade?
Como os universos do cinema e da literatura atestam, casos de estupro podem fornecer narrativas convincentes e perturbadoras, buscando não apenas aquela medida da verdade que, esperançosamente, trará a justiça legal, mas também descobrindo aquela outra e “real” verdade, da qual, em raras ocasiões, existe apenas um lado.
Baseado no recente (2019) romance “L’Accusation”, de Karine Tuil, “Les Choses Humaines/As Coisas Humanas”, o pertinente título original foi exibido ano passado fora da competição na Mostra de Veneza e ali iniciou uma carreira de muita polêmica e
muitos debates. O diretor Yvan Attal assumiu um desafio complicado e criou uma peça de cinema classicamente sólido no sinuoso terreno do pós #MeToo, uma intrincada estrutura de argumento e um conjunto coral de intérpretes de rara efetividade coletiva.
Produção dirigida por Yvan Attal replica o “modelo tribunal”, mas o verdadeiro júri é o espectador | Foto: Divulgação
O filme de Yvan Attal, ator e diretor israelense nacionalizado francês, grava uma radiografia com vocação para a síntese. Ele arrisca na encenação, e divide o filme em três capítulos, “Ele”, “Ela” e “O julgamento”. A última é a mais longa, dividida em
planos-sequências dedicados a cada persongem, sem mostrar as reações dos outras pessoas. Essa opção poderia ter resultado em quase desastre, mas o filme se mantém inteiro apoiado muito nas atuações cuidadosas, principalmente de Charlotte Gainsbourg e de Pierre Arditi, jornalistas que vivem os pais do acusado.
“A Acusação” replica com brilho o modelo “filme de tribunal”. Seus personagens estão vivos, e o público, verdadeiro júri do caso, se vê imerso em um tobogã emocional, onde prevalece a necessidade do crepúsculo heteropatriarcal chegar agora e já. Embora poder e dinheiro possam subverter tudo, e se sabe que a igualdade é um caminho sem fim, ao menos o acusado se esfoça para que aquela zona cinzenta das coisas humanas seja um pouco iluminada. Esta zona cinzenza é aquela que se estende desde quando o branco deixa de existir até o momento em que a escuridão invade tudo.
Em outras palavras, a zona cinza é aquela onde a humanidade se busca. É o território da sombra; o reino da incerteza. Nela, o medo e a névoa, a incerteza, a ansiedade e a angústia intoxicam a verdade, se a verdade existe para todos. É disso que trata “A Acusação”, até onde se estende esse espaço onde se confundem vítima e algoz.
O acusado coloca assunto incômodo, pegajoso e escorregadio no banco de suspeitas: estupro. Aquela sede de sexo canibal do patriarcado cuja voracidade despedaça o feminismo e sua via crucis pela igualdade. Aqui você pode respirar e perscrutar as
motivações que vão do Eu também a Sim é Sim e Não é Não. Também denunciada a realidade dos formadores de opinião modernos, que parecem escravos dos lados em que se limitam, ou dos prêmios que querem ganhar, de modo que às vezes suas opiniões não são matizadas quanto deveriam.
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