A complexidade humana

A cultura hinduísta é milenar e muitos dos seus templos remanescentes são verdadeiras obras de arte da arquitetura. Antigos, eles nos assombram com a capacidade que tinham as pessoas de realizar obras tão complexas. Uma coisa que também chama a atenção em muitos desses templos é que por fora eles eram todos decorados com figuras em alto-relevo de homens e mulheres nas mais diversas práticas sexuais. Havia homens com mulheres, mulheres com outras mulheres e homens com homens. Quando os britânicos chegaram à Índia séculos atrás ficaram escandalizados ao notarem essas decorações que consideravam escandalosas em lugares que eram tidos como sagrados. Os hindus acabaram sendo vistos como pornográficos.

Mas o que para os britânicos e nós aqui do ocidente e desse tempo atual encaramos como pornografia era visto de maneira bem diversa antigamente nos templos hindus. Até mesmo a noção de pornografia como nós a entendemos não existia. O sexo era tido como algo natural e as atividades sexuais eram vistas como algo inerente e necessário à biologia.

Por fora os templos eram todos repletos de imagens e pessoas nuas e em atividades sexuais explícitas. Isso tudo diante dos olhos de homens, mulheres e crianças que por lá passavam. Porém, quando se entrava nos templos essas imagens eram deixadas para trás e surgiam imagens dos inúmeros deuses que fazem parte da religião e cultura hinduísta. E quanto mais no interior do templo se ia mais diminuíam as imagens até ficar imensas salas vazias. Toda essa disposição dos templos tinha um sentido, não era algo à toa.

Para os antigos hindus a biologia, e a sexualidade faz parte da biologia, era algo natural e que precisava ser aceito. Temos um corpo biológico, somos pedaços da natureza. Negar isso é negar e tornar feio nossas origens. Estamos aqui porque nosso pai e mãe se envolveram numa atividade sexual. A natureza e biologia assim nos desenhou. E a sexualidade vai além da biologia em si. Ela se torna uma atividade que é também humana porque adentra as várias possibilidades que temos de nos organizar. Daí que nos templos haviam representações de cenas homossexuais. Isso também não era negado e nem tido como errado. Somos biologia e somos também uma mente. Como se vê, vai aumentando a complexidade do que se é ser humano.

E quanto mais dentro se vai nos templos, mais outras necessidades vai surgindo no caminho do ser humano. Podemos viver a vida só na dimensão sensorial, por exemplo. Isso implica em ficarmos apenas buscando o prazer, seja ele qual for. Podemos ficar presos da sensorialidade já que esta requer simplesmente em satisfazer o corpo. Aí se inclui a sexualidade em si, o culto ao corpo, às satisfações estéticas, à comida e bebida, etc. Não há nada errado com essa dimensão sensorial e precisamos também alimentá-la, mas nos tornamos limitados se apenas ficarmos nela. Não vamos além em nossas possibilidades por assim dizer.

Isso que a arquitetura dos templos nos convida: a aceitarmos a dimensão sensorial, mas também a entrar e conhecer outras dimensões. Dimensões que nos permitiriam refletir e descobrir quem somos e quem podemos vir a ser. Ao adentrar mais no interior mais espaços dispomos para construirmos a pessoa que podemos e queremos ser. Nessa interiorização vamos nos enriquecendo e nos humanizando. Vamos aumentando cada vez mais nossas possibilidades e expandindo nossos horizontes. Os deuses podem então nascer. Os antigos hindus nos convidavam a ser deuses, não como seres onipotentes, mas como seres cheios de perspectivas e capacidades.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina 

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