SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “O pai vai intubar, mas vai ficar tudo bem.”
Foi apenas uma curta mensagem que o presidente do São Paulo, Julio Casares, teve tempo de mandar para seus filhos. Quando Deborah e Julio chegaram ao hospital, ele já estava intubado e ficaria assim por 14 dias, inconsciente, por causa da Covid-19.
Os médicos tentaram tirá-lo da intubação três vezes. A reação não foi boa. Na terceira, como ele mesmo define, foi “na raça”, porque corria o risco de não voltar mais.
A “sensação terrível” que teve em julho de 2021 -quando recebeu a notícia da intubação, emagreceu 12 quilos e passou por um processo de reaprender a fazer coisas simples, como mastigar- pôs a vida em perspectiva para o advogado e publicitário de 61 anos.
“Dá nova visão das coisas. Depois o [técnico] Cuca me visitou e me disse que o futebol é um dos detalhes menos importantes. Mesmo que você brigue pelo que acredita, às vezes tem de ser mais contemplativo com a vida”, afirma.
A sala do presidente, no Morumbi, não passa a imagem de que o futebol está entre as coisas menos importantes. As paredes estão repletas de fotos de times campeões do São Paulo, assim como troféus, bonecos e qualquer coisa que lembre a equipe que neste sábado (1º), às 17h, decide o título da Copa Sul-Americana contra o Independiente del Valle (EQU). O duelo, em Córdoba, na Argentina, será exibido pela Conmebol TV.
Também com certeza o garoto Julio, que saía da Parada XV de Novembro, entre Itaquera e Guaianases, na zona leste da capital, para ir ao Morumbi em dias de jogos, não concordaria que o futebol é um detalhe insignificante.
O São Paulo está a 90 minutos de conquistar o seu primeiro título internacional de expressão desde a própria Sul-Americana de 2012. Também seria a segunda vitória da gestão Casares. O clube foi campeão paulista de 2021 ao bater o Palmeiras na final.
Derrotar o Independiente del Valle vai significar vaga garantida na Libertadores de 2023, algo que parece complicado pelo Campeonato Brasileiro. O São Paulo está em 12º na tabela do Nacional.
“Pode ser um divisor de águas. [O título] é algo que não estava no nosso radar porque fazemos um trabalho de reconstrução do São Paulo. Queremos ter um time competitivo, mas não tínhamos uma visão de campeão. Não tínhamos como fazer um supertime. O título daria um alívio. Porque o dirigente não comemora. Ele fica aliviado conforme o resultado”, brinca.
A final e a possibilidade de título chegam uma semana depois de Casares ter saído vitorioso no episódio mais polêmico de sua administração até agora. Assembleia de sócios aprovou mudança estatutária que permite a reeleição. Isso significa que ele poderá concorrer a um novo mandato no final do próximo ano.
Para seus adversários, trata-se de um golpe. Um casuísmo, porque o dirigente teria legislado em causa própria.
“Foi um requerimento de 98 conselheiros [que pediram a reeleição]. Eu não assinei. É um processo extremamente democrático. Como é golpe se teve votação em várias situações?”, ressalta, citando aprovações em comissões do clube, no conselho deliberativo e, por fim, entre os sócios.
O seu discurso é que o pior já passou, o que também é empregado por mandatários de outras agremiações em dificuldades financeiras, como Santos e Corinthians. Acredita que 2023 será menos difícil porque a dívida, que avalia ser de R$ 695 milhões, está “equilibrada”. Garante que o valor caiu 5% desde que assumiu o cargo, em 2021.
“O importante é equilibrar e, mais do que isso, fazendo um time competitivo. Porque estamos disputando campeonatos e investimos no futebol enquanto diminuímos em 5%. Tudo isso sinaliza um 2023 melhor”, comemora.
O São Paulo chega à final da Sul-Americana com um pagamento de direitos de imagem atrasado do elenco e “algumas pendências”, de acordo com o presidente. Os cerca de R$ 97 milhões que o clube vai receber, mesmo que parcelados durante cinco anos, pelos direitos de clube formador na venda de Antony do Ajax (HOL) para o Manchester United (ING) vão ajudar a colocar a casa em ordem.
Casares jura que tudo isso vai ocorrer com a presença de Rogério Ceni. O presidente não levou a sério a frase do treinador de que, se houver derrota em Córdoba, a diretoria poderá demiti-lo sem pagar multa rescisória. Não há chance disso, afirma o cartola. Tanto que ele e Ceni se reuniram nesta semana para começar a traçar o planejamento da próxima temporada.
Há a necessidade de antecipar a estratégia porque o futebol vai parar entre novembro e dezembro por causa da Copa do Mundo.
“Ele é um cara muito obstinado e quer ganhar, como todos nós. É uma coisa pessoal dele. Mas o Rogério vai continuar. Tanto que renovamos o contrato dele”, diz o presidente, citando o novo acordo, assinado em julho, que vai até o final de 2023.
Julio Casares tem a expressão cansada. Ri com a observação, concorda com ela e diz que tem tentado se controlar. Acostumado a dormir pouco, evita fazer reuniões por WhatsApp às 5h30, como já aconteceu.
Vestido com camisa e calça do clube em horário de trabalho, percebe que os cabelos brancos têm se multiplicado. Explica que, embora já tivesse cogitado se candidatar à presidência no passado, foi apenas em 2021 que houve um consenso de diferentes forças políticas da agremiação.
Ele contesta a visão de que jamais foi oposição. Prefere opinar que sempre quis ajudar o São Paulo, mesmo a presidentes com o qual não tinha afinidade, como seu antecessor, Leco.
Casares fala pelos cotovelos e terá mais ainda para contar se o São Paulo for campeão neste sábado em Córdoba. Será mais um capítulo da trajetória daquele que gosta de dizer também ter sido radialista e saber como a imprensa funciona. Fez curso de locução e nos anos 1990 tinha o programa “Emoção Tricolor” na FM Imprensa.
“Eu apresentava, cobria treinamento…”
Foi quando conheceu Telê Santana. Após uma partida do São Paulo, e com dezenas de jornalistas a esperar por sua entrevista, o lendário treinador decidiu que falaria primeiro com Casares. Deu-lhe uma entrevista exclusiva de 30 minutos no vestiário.
“Depois disso, ele reuniu toda a imprensa, respondeu uma pergunta e foi embora”, relembra, em misto de divertimento e orgulho.
Naquele momento, para o atual presidente, o futebol poderia ser tudo, menos um detalhe pouco importante.