“Não quero passar 40 anos da minha vida contribuindo para a Previdência para depois ter um rendimento tão baixo que não vai poder manter a qualidade de vida que tenho hoje”. A fala do engenheiro de produção Marcio Borges, de 31 anos, que faz aplicações financeiras desde 2014, sintetiza uma das principais preocupações que tem levado cada vez mais jovens brasileiros a investir.
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Segundo estudo da B3 divulgado no final de 2020, o perfil médio dos investidores que ingressaram pela primeira vez na Bolsa de Valores durante a pandemia é de pessoas de 32 anos. “Nós temos ouvido falar muito mais de reforma previdenciária, que não vamos conseguir aposentar pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), e coisas assim. Então existe uma preocupação de que não vai ser o suficiente para garantir, por exemplo, alguma reserva para saúde, caso você precise quando ficar mais velha”, demonstra a engenheira química Giovana Saito Bertho, de 30 anos, que investe desde 2016.
O assessor de investimentos Heron Semensato, que trabalha com o mercado financeiro há 10 anos, lembra que, com a pandemia, sete em cada 10 brasileiros tiveram queda de receita. Segundo ele, a preocupação de buscar uma segurança nesse momento teve como reflexo uma melhora na educação financeira e uma democratização do acesso aos investimentos. “Hoje há maior acessibilidade a esse mercado, que antes era muito restrito”, avalia.
A mesma pesquisa da B3 mostrou também que o valor médio do primeiro investimento caiu 58%, de R$ 1.916,00, em outubro de 2018, para R$ 660,00, em outubro de 2020. “Sobre a diminuição no valor do primeiro aporte, obviamente, a queda de renda das pessoas influencia bastante. Mas aqui também tem parte uma popularização dos produtos de investimento”, explica. “Há alguns anos, eu conversava com pessoas próximas, com potenciais investidores e demais, e todos sempre comentavam: ‘Ah não, precisa ter muito dinheiro para investir, para comprar uma ação’. E, diante da queda de juros, a renda fixa sendo pouco vantajosa, eles começaram a olhar e perceber que não precisam de muito dinheiro. Com R$ 100, R$ 150, você já consegue fazer sua primeira compra de ação, talvez menos até”, completa.
A arquiteta Gabriela Rosolem, de 28 anos, conta que, entre os amigos, ainda há aqueles que preferem “deixar na poupança”. Porém, ela diz que a cada dia, percebe mais pessoas pesquisando sobre investimentos e, de fato, fazendo a migração. “Desde uma situação específica na faculdade, em que precisei entrar no negativo para conseguir comprar materiais para maquete, passei a economizar um pouco por mês e guardar o dinheiro na poupança. Naquele momento não tinha conhecimento nem interesse por investimentos”, relata.
Há cerca de quatro anos, porém, após ouvir falar cada vez mais sobre outros tipos de investimento, a arquiteta começou a pesquisar mais. “Falava-se muito sobre tesouro direto. Comecei primeiro a investigar sobre renda fixa. Mesmo com muita insegurança no início, acabei comprando alguns títulos CDB (Certificado de Depósito Bancário) e tesouro. O objetivo naquele momento ainda era ter uma reserva de segurança boa para não passar necessidade”, relembra. “Hoje já penso no investimento como forma de me aposentar mais cedo”, confirma.
Além de uma maior acessibilidade aos produtos de investimento, Semensato, que atualmente atende investidores do Brasil todo e até do exterior, de forma remota, destaca a importância da educação sobre o assunto. “Nós, profissionais do mercado financeiro, já tínhamos identificado essa questão de que o brasileiro tem pouco acesso à educação financeira nas escolas. Na maior parte das vezes, é um conhecimento que é passado de pai para filho, o que é algo muito baseado em experiências pessoais, então acaba sendo uma coisa bem enviesada dentro da realidade de cada um”, conta.
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“E, hoje, principalmente com a internet e o acesso a essas informações, a educação financeira avançou muito nos últimos dois ou três anos, mas é algo que já vem desde 2013, 2014, numa crescente”. O assessor de investimentos explica que a popularização de influenciadores digitais que compartilham informações sobre o mercado financeiro também contribui para a democratização desses conhecimentos. “E, lógico, com as instituições financeiras também dando credibilidade a essas pessoas, a esses influenciadores, e também melhorando a acessibilidade, não só do acesso à educação financeira, mas aos produtos financeiros também”, aponta.
Semensato deixa, porém, um alerta sobre a necessidade de cautela com as informações encontradas na internet. “Existem vários youtubers que não tem, necessariamente, o interesse de trazer informação e conteúdo de referência, de relevância”, previne. “Existem aqueles, vamos dizer, aproveitadores, que vão no embalo para ganhar dinheiro, apenas. E aí acabam atrapalhando esse trabalho muito importante dos influenciadores sérios. Trazem informações de dinheiro fácil, com falas de: ‘Aqui o seu dinheiro rende rápido, seu dinheiro rende bastante e você não precisa fazer nada’. Isso é uma falácia, uma mentira”, adverte. Ele orienta para que o público busque sempre filtrar esses conteúdos e estudar o assunto. “É muito bom ter cuidado para não investir num produto que não se encaixa no que você quer”.
Por onde começar?
“A primeira coisa que eu gosto de trazer para os investidores, inclusive quando faço atendimentos, é entender a realidade de cada pessoa. É muito importante que as pessoas saibam que não é qualquer investimento que serve para ela”, revela Heron Semensato. “Hoje é muito importante saber que existem inúmeros tipos de investimento, e é necessário que o produto esteja alinhado à realidade do investidor. Por exemplo, você aos 60, 70 anos de idade, procurar um investimento num banco, numa corretora, e recomendarem previdência, é um ótimo produto, mas não é o produto mais adequado para a pessoa”, exemplifica. “É um produto de investimento para 10, 20 anos, e uma pessoa de idade mais avançada não tem expectativa de deixar o dinheiro parado por muito tempo, ela já está num patamar de aproveitar a vida, de usar um pouco desse dinheiro para viagens, para compras, para aproveitar com a família, e também para fazer alguns exames, cuidar da saúde e tudo mais”, descreve.
Além disso, Semensato ressalta a necessidade de organizar a vida financeira antes de pensar em investir. “Se não sobra dinheiro todo mês, não é a hora de investir”, aconselha. “Sobrou dinheiro? Então é hora de entender os produtos, procurar um profissional para isso, e, a partir daí, começar a montar investimentos para um prazo mais longo, com alguns planejamentos”, recomenda. O engenheiro mecânico Douglas Miglioli, de 30 anos, que já investe desde 2013, confirma a importância de se organizar para entrar no mercado financeiro. “Eu me sentia seguro, pois iniciei com um montante que separei para aprender, sabendo dos riscos de perder um pouco de dinheiro. Era um dinheiro que eu não usaria a curto prazo”, relata. “Eu acho que na faixa etária dos 30 anos você já tem mais maturidade para lidar com riscos e a tendência de ter um pouco mais de dinheiro não comprometido para outros fins”, avalia. “As pessoas mais jovens com certeza estão investindo mais do que quando eu comecei, por exemplo. Mas ainda acredito que há muito medo e insegurança. Entendo que isso se dá pois há muita propaganda falsa no mercado”, ressalta.
O engenheiro agrônomo Lucas Sallum, que tem 24 anos e já investe desde os 22, corrobora que a educação financeira e planejamento são pontos fundamentais para começar, independentemente da idade. “Muitos dos meus amigos sentem vontade de saber mais a respeito do assunto. Contudo, acho que, muitas vezes, eles têm dificuldade em criar o hábito de poupar dinheiro para iniciarem uma carteira de investimentos. Ou, alguns ainda vejo que se acham muito jovens para pensar em guardar dinheiro para o futuro”, conta. “Além disso, antes de iniciar os meus investimentos, me assegurei de ter uma reserva de emergência”, destaca.
Semensato confirma a importância dessas reservas. “Eu gosto muito de usar uma expressão que é: nunca é bom ter ‘surpresas’ quando se fala de dinheiro”, diz. “Em se tratando de orçamento, de controle das suas finanças, mesmo quando sobra mais do que você esperava, ou é porque sobrou um boleto para pagar, ou é porque você errou seu planejamento”, exemplifica. “Por isso, o primeiro passo é realmente fazer uma reserva de emergência. O parâmetro que usamos são seis meses do seu gasto financeiro mensal médio. E depois começar a fazer aplicações mais conservadoras, fazer a proteção do patrimônio, seja carro, casa. E aí, depois, ir começando a crescer, fazer uma carteira de ações, uma carteira de fundos imobiliários, uma carteira de investimentos internacionais”, recomenda.
O engenheiro de produção Marcio Borges lembra que, quando começou a investir, há cerca de 7 anos, deu preferência a investimentos de renda fixa. “Desde aquela época eu já tinha vontade de investir em renda variável, mas eu não me sentia confortável, eu não tinha o conhecimento necessário. Então, eu fiquei quase uns dois anos estudando o assunto, li diversos livros, é um tema que me encanta bastante”, relata. “Comecei a acompanhar diversas pessoas que são investidores conhecidos no mercado, li muito, absorvi muita informação para daí sim, quando eu estava confiante, comecei de fato a investir em ações e fundos imobiliários, que são investimentos mais arriscados, que tem uma chance maior de volatilidade”, pontua.
Cresce espaço ocupado por mulheres no mercado financeiro
Outro fator importante levantado pela pesquisa da B3 foi um aumento significativo de mulheres investindo na Bolsa. De 179.392 em 2018, o número de mulheres que entraram no mercado financeiro passou para 809.533 em 2020. “Ainda temos um longo caminho pela frente, porém, hoje existem muitos movimentos em prol do empoderamento das mulheres”, avalia a arquiteta Gabriela Rosolem. “Talvez grande parte de nós esteja tomando coragem para assumir nosso lugar, assumir o controle da própria vida sem depender de ninguém! Dessa forma, estamos buscando espaço e independência, além de estarmos visando colher os frutos no futuro”, expressa.
Giovana Saito destaca também que há mudanças conjunturais que possibilitam que as mulheres tenham maior independência financeira. “Acho que esses tabus antigos estão sendo quebrados. Existem muitos projetos que focam em mulheres empreendedoras, para que elas tenham mais acesso à informação, tanto para aumentar a renda, mas também para saber investir”, exemplifica. “Então, eu vejo que esses números têm crescido porque podemos falar disso. Antigamente, você não tinha com quem conversar. Agora temos grupos de amigas aqui em que trocamos informações, dicas, e tentamos nos ajudar”.
A engenheira química aconselha também para que, principalmente os jovens que têm vontade de começar a investir, tenham equilíbrio no planejamento, e que não se esqueçam de deixar também uma parte para o lazer. “Não sabemos o dia de amanhã, então é importante conseguir montar uma carteira com a qual você se sinta confortável. Eu invisto hoje quase 50% do que eu ganho, 40 a 50%. É um número alto, mas eu consigo, dentro dos 50% que sobram, dos quais cerca de 30% são gastos fixos, deixar 20% para acesso a lazer, ou é para comer fora, viajar, para dar presentes, alguma coisa assim”, recomenda. “Não adianta você achar que vai guardar tudo para, daqui a 20 anos, estar muito rico, e viver só daqui a 20 anos. Você tem que viver até lá”.
Supervisão: Celso Felizardo, editor de Economia
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