Governo libera exportação de tubarão ameaçado de extinção

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo federal publicou uma portaria que autoriza a exportação do tubarão Isurus oxyrhynchus, popularmente conhecido como mako. A espécie faz parte de listas internacionais de animais ameaçados e deve entrar na próxima relação brasileira de espécies ameaçadas de extinção. A liberação preocupa especialistas.

A portaria, assinada por Jorge Seif Júnior, secretário da Pesca (parte do Ministério da Agricultura), e por integrantes dos ministérios do Meio Ambiente e da Economia, estabelece cotas de 20,79 toneladas para exportação de produtos, subprodutos e partes do mako e de 415,86 toneladas para tubarões inteiros.

As barbatanas de tubarões são, normalmente, o principal item de interesse e movimentam um mercado de luxo na Ásia. No caso do mako, porém, até a carne costuma ser apreciada. Em 2015, a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) estimava que os produtos relacionados a tubarões movimentavam cerca de US$ 1 bilhão por ano.

O Brasil é o maior consumidor do mundo de tubarões, normalmente vendidos sob a nomenclatura genérica de cação.

Também conhecido como tubarão-anequim, o animal é classificado como ameaçado na lista vermelha da IUCN (International Union for Conservation of Nature), na qual é apontada uma diminuição geral das populações da espécie.

Por sua situação ao redor do mundo, o mako foi recentemente colocado no apêndice 2 da Cites (Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção), da qual o Brasil é signatário.

Uma análise do projeto Política por Inteiro, que monitora atos normativos do governo na área ambiental e é parceiro da Folha no Monitor da Política Ambiental, ainda chama a atenção para o fato de o Brasil ter apoiado a listagem do mako no apêndice do Cites. O projeto classificou a medida como de flexibilização.

Os animais do apêndice 2 não necessariamente estão ameaçados de extinção, mas isso pode acontecer se o comércio não for atentamente acompanhado. Segundo a Convenção, o comércio internacional das espécies presentes neste anexo exige regulamentação e autorizações que só devem ser dadas caso as autoridades tenham a certeza que a comercialização não será prejudicial para a sobrevivência da espécie.

Um dos problemas da portaria, segundo especialistas ouvidos pela Folha, é exatamente a questão de se tratar de uma espécie ameaçada. Avaliações de risco feitas pelo ICMBio já apontam a vulnerabilidade da espécie, com manejo inadequado, pesca sem restrições e alto valor da carne, pontos que, segundo o órgão, levam à exigência de medidas de precaução. A autarquia já recomendou a inclusão do mako na próxima lista de animais ameaçados do Brasil.

De toda forma, segundo especialistas, a proibição de comércio de um animal não necessariamente é o caminho para a preservação. Eles dizem, porém, que no Brasil faltam dados e fiscalização, o que torna temerária a liberação de exportação de uma espécie ameaçada.

“Não quer dizer que não pode mais pescar. A questão toda é saber quanto eu posso pescar, onde eu posso pescar”, diz Ana Paula Prates, engenheira de pesca e representante do Instituto Talanoa e projeto Política por Inteiro.

O quanto e o onde são problemas no Brasil. O país não tem atualizações oficiais de estatísticas de estoques pesqueiros há mais de uma década, o que dificulta o monitoramento de espécies e projeções de possíveis impactos comerciais.

“O mundo inteiro já reconhece a espécie como ameaçada. Estão implementando sanções, como no Atlântico Norte, onde a pesca foi paralisada”, diz Rodrigo Barreto, secretário da Sbeel (Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios) e pesquisador que estuda o mako há mais de uma década.

“Aqui no Brasil parece que é confortável a gente ficar sem estatística pesqueira. E apesar de a gente fazer essa divisão em populações do Atlântico Norte e Sul, existem evidências de que haja uma população única do mako.”

Junto à falta de dados de pesca, as características do mako, espécie visada para capturas, colocam mais questões problemáticas em relação a autorizações para pesca.

Análises de risco colocam o mako como, possivelmente, o tubarão do Atlântico mais vulnerável à pesca por espinhéis (método que tem uma forte linha principal de pesca com diversos anzóis em seu comprimento).

A espécie tem maturidade sexual tardia, com fêmeas se tornando férteis somente por volta do final da primeira década de vida ou início da segunda, o que leva o mako a uma grande vulnerabilidade à pesca.

Estudo feito no Brasil e publicado na Plos One, em 2016, aponta que a maior parte dos animais capturados por barcos na costa brasileira são juvenis, ou seja, ainda não atingiram a maturidade sexual e, consequentemente, não conseguiram se reproduzir.

Especialistas afirmam ainda que outro problema da portaria interministerial foi o seu processo de produção, que não teria seguido os procedimentos padrões para autorização de exportação. Chamam atenção ainda para o fato da medida ter efeito retroativo, para animais pescados até 21 de dezembro do ano passado.

Para serem exportadas, espécies da Convenção precisam receber pareceres atestando que exportação não prejudicará a sobrevivência da espécie e verificação das autoridades científicas e administrativas da Cites, que no Brasil são o Ibama e o ICMBio, aponta a análise do Política por Inteiro.

Tal processo de análise, porém, não foi concluído.

A Folha de S.Paulo questionou a Secretaria de Pesca (parte do Ministério da Agricultura) e o Ministério do Meio Ambiente sobre os critérios técnicos para a norma e pediu à Pasta ambiental acesso aos documentos que embasaram a liberação.

O Ministério do Meio Ambiente afirmou, em nota, que a publicação da portaria é baseada no que é expresso no artigo 28 do decreto 3.607/2000.

O artigo em questão afirma que “a exportação de espécies incluídas nos Anexos II e III da CITES poderá ser objeto de contingenciamento a ser estabelecido, conjuntamente, pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, por meio da Secretaria de Comércio Exterior, e pelo Ministério do Meio Ambiente, que determinarão as quantidades anuais e semestrais, admissíveis para exportação das espécies”.

“Esse dispositivo superpõe o procedimento habitual estabelecido pelos artigos 8º e 9º que dispõe sobre os procedimentos ordinários a serem adotados para exportação de espécies listadas no Anexo II da CITES”, diz a Pasta ambiental.

Os artigos 8º e 9º dizem respeito à participação das autoridades científica e administrativa no processo de exportação ou importação de animais presentes nos anexos da Cites.

O Ministério do Meio Ambiente afirma ainda que o “Isurus oxyrinchus não consta da Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção – Peixes e Invertebrados Aquáticos”. A relação, porém, não é atualizada há alguns anos.

“Os limites estabelecidos seguiram todos os procedimentos e regulamentos estabelecidos”, diz o ministério, que não enviou os documentos solicitados.

O Ministério da Agricultura não enviou respostas até o momento.

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