São Paulo – Municípios brasileiros mais pobres apresentaram uma letalidade 30% maior durante a pandemia de Covid-19 em comparação às cidades mais ricas, com maior PIB per capita (42,6% contra 31,8%, respectivamente).
Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress Uma das explicações para as disparidades socioeconômicas nas mortes por Covid foi a falta de acesso, no tempo certo, a serviços de saúde de qualidade | Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress
É o que revela um estudo que analisou cerca de 3 milhões de casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) de pessoas que foram internadas e que morreram entre 2020 e 2021 – dessas, 1,9 milhão com diagnóstico confirmado de Covid. O trabalho foi publicado no periódico Preventive Medicine.
Outras pesquisas já tinham detectado desigualdades socioeconômicas na distribuição de mortes de Covid em alguns municípios no início da pandemia, mas o trabalho é o primeiro a avaliar dois anos da crise sanitária, com todos os óbitos ocorridos no período nos 5.570 municípios.
Ao investigar essas mortes de acordo com o PIB (Produto Interno Bruto) per capita de cada município, os pesquisadores da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), de Harvard e duas universidades paulistas (Santa Casa e Unesp) identificaram desigualdades também na realização de exames diagnósticos e no atendimento hospitalar.
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Por exemplo: os municípios mais pobres apresentaram uma proporção três vezes maior de pacientes com SRAG sem coleta de material biológico para o diagnóstico de Covid em comparação com os municípios mais ricos (8,8% contra 2,9%). Também tiveram menos acesso à tomografia computadorizada para avaliar o comprometimento pulmonar (2,4% contra 1%).
Segundo o epidemiologista Antonio Fernando Boing, autor principal do estudo e professor da UFSC, uma das explicações para as disparidades socioeconômicas nas mortes por Covid foi a falta de acesso, no tempo certo, a serviços de saúde de qualidade.
Ele explica que municípios mais ricos tendem a ter, em média, mais profissionais de saúde contratados e uma rede de serviços mais estruturada, com fluxos de pacientes estabelecidos em todos os níveis da assistência (atenção primária, secundária e hospitais de alta complexidade)
“Há estudos mostrando que a letalidade tende a ser mais alta nos hospitais em que novas equipes foram formadas. Municípios que tiveram que correr atrás de profissionais para construir suas redes, além de terem levado mais tempo, não tinham equipes com tanta experiência.”
Além disso, Boing aponta que a menor capacidade de compra dos municípios mais pobres, como insumos e contratação de pessoal, também teve impacto na testagem para a Covid.
“Ter uma testagem de forma oportuna te permite uma assistência mais planejada e que a vigilância do município também consiga agir para evitar uma disseminação maior do vírus.”
Para ele, a ausência de coordenação nacional e, em muitos casos, estadual, que não ajudaram na organização da assistência nos municípios, também gerou as disparidades. “Cada um teve que se virar. E aí quem teve maior capacidade de compra e de lobby se saiu melhor.”
De acordo com o pesquisador, a carga de doenças crônicas também tende a ser maior nas populações de municípios mais pobres, o que contribui para um pior desfecho dos casos.
Em geral, nesses municípios as condições de moradia são mais precárias, com uma maior aglomeração de pessoas por domicílio, o que facilita a transmissão do vírus, além do fato de que muitos dos moradores não tiveram condições de fazer trabalho remoto.
Segundo o pesquisador, o país não pode continuar ignorando desigualdades que já estavam presentes muito antes da pandemia de Covid. “Não pode chegar depois de dois anos, como esse estudo fez, e verificar: como somos desiguais! Como a letalidade foi pior nos municípios mais fragilizados!”
Para o epidemiologista, é preciso implementar nos serviços de vigilância de rotina um monitoramento das desigualdades entre os grupos populacionais e entre as regiões não só para reduzir mortes por Covid, mas por qualquer outra causa evitável.
“Nossa lição de casa é monitorar para agir. Uma injustiça dessa é evitável. Não precisava ter tido uma sobremortalidade nos grupos mais vulnerabilizados. Muitas vidas poderiam ter sido salvas se estivéssemos monitorando as desigualdades.”
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