Brasília – O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, afirmou que a auditoria divulgada pelo PL, partido de Jair Bolsonaro, foge da fiscalização permitida sobre as urnas, cita narrativas já derrotadas e tenta desacreditar o pleito às vésperas do primeiro turno.
Os partidos políticos podem fiscalizar as eleições, mas há regras. É liberado, por exemplo, analisar o código-fonte das urnas | Foto: LR Moreira/Secom/TSE
Em despacho assinado nesta sexta-feira (30), o ministro também acionou o MPE (Ministério Público Eleitoral) para avaliar se foram divulgadas informações sabidamente falsas para atingir o sistema eletrônico de votação.
Gonçalves afirma que o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, também é responsável pelo documento. Em ofício enviado ao tribunal, o dirigente partidário havia dito que apenas a equipe contratada na auditoria deveria responder pelo trabalho.
Maior parte das denúncias de propaganda irregular foi por aplicativo
No mesmo ofício, o PL declara que não usou recursos públicos na elaboração do relatório, mas verba própria do partido.
A Folha de S.Paulo mostrou que o IVL (Instituto Voto Legal) recebeu ao menos R$ 225 mil da sigla de Bolsonaro.
Segundo o ministro Gonçalves, o partido decidiu realizar “atividade paralela aos procedimentos de fiscalização” previstos pelo TSE.
“Capta atenção o fato de que o conteúdo do documento não se detém sobre supostos aspectos técnicos do sistema eletrônico de votação, mas, sim, passeia por temas variados, muito deles a envolver narrativas derrotadas quando da rejeição, pelo Congresso Nacional, da proposta de adoção do voto impresso”, afirma Gonçalves.
“Os pontos são tratados sem aprofundamento, tendo por linha mestra o esforço de apresentar um quadro especulativo de descrédito institucional da Justiça Eleitoral, às vésperas do pleito”, diz ainda o corregedor.
Gonçalves ainda diz que os resultados da auditoria nem sequer poderiam ser aproveitados nas eleições deste ano, pois o PL planejava divulgar os dados em datas próximas ao primeiro e segundo turno.
Na quarta-feira (28) integrantes do partido de Bolsonaro divulgaram documento chamado “resultado da auditoria de conformidade do PL no TSE”, de duas páginas, afirmando que há risco de invasão nos sistemas eleitorais. O papel tem o timbre do partido, mas não é assinado, e seria resumo de um relatório de mais de 100 páginas.
O documento foi divulgado quatro dias antes do pleito, no momento em que Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto a presidente, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O TSE chamou o papel de fraudulento, mentiroso e disse que a ideia da legenda era tumultuar as eleições. O presidente da corte eleitoral, Alexandre de Moraes, mandou o caso ser investigado no inquérito das fake news, que é relatado por ele mesmo no STF (Supremo Tribunal Federal).
O corregedor do TSE também pede para a área de tecnologia da informação do TSE informar sobre como foi a participação do PL nos procedimentos de auditoria que são liberados aos partidos.
Ele também determinou envio das informações prestadas pelo partido ao inquérito no STF.
Os partidos políticos podem fiscalizar as eleições, mas há regras. É liberado, por exemplo, analisar o código-fonte das urnas.
O PL chegou a enviar representantes ao TSE para avaliação do código, mas eles só assinaram uma lista de presença e não fizeram a inspeção.
Em maio, Bolsonaro disse que o PL contrataria uma empresa para auditar as eleições. Em tom de ameaça ao TSE, o mandatário afirmou, à época, que os resultados da análise poderiam complicar o tribunal se a empresa constatasse que é “impossível auditar o processo”.
A ideia do chefe do Executivo era contratar o IVL, mas a empresa não conseguiu credencial do TSE. O PL, então, chamou para o serviço uma equipe comandada pelo engenheiro Carlos Rocha, o fundador do mesmo instituto.
À Folha de S.Paulo Rocha disse que os achados da auditoria recomendam que o tribunal adote medidas de precaução.
Questionado sobre a chance de Bolsonaro usar o documento para levantar a tese de fraude no pleito, Rocha disse que “o objetivo do PL é colaborar de forma construtiva com a Justiça Eleitoral”.
“Quem audita constrói valor para a organização auditada. O objetivo do PL é colaborar de forma construtiva com a Justiça Eleitoral. Com esta intenção positiva foi marcada uma audiência com o Ministro Alexandre de Moraes ontem, para apresentar os resultados e propor uma auditoria independente do funcionamento da urna eletrônica”, disse o engenheiro.
Após a repercussão negativa sobre a auditoria, aliados de Valdemar Costa Neto tentaram desfazer a versão de que o presidente do partido havia embarcado nas investidas de Bolsonaro para tumultuar o pleito.
O corregedor do TSE, porém, apontou que o presidente do PL também é responsável pelo documento.
“O relatório foi produzido e divulgado por iniciativa do PL, contando com a participação de seus dirigentes máximos, sendo lógico extrair do contexto a ciência e a anuência da agremiação com o conteúdo”, escreveu Gonçalves.
Em tom de alerta, o TSE disse, ao reagir à auditoria, que já cassou parlamentares que divulgaram informações falsas sobre as eleições.
A repercussão sobre o documento ainda marca novo episódio de atrito entre Moraes e Bolsonaro.