BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Quatro meses após a aprovação do relatório final, a cúpula da CPI da Covid aposta na pressão sobre o procurador-geral Augusto Aras para tentar destravar os processos contra as autoridades com foro, entre elas o presidente Jair Bolsonaro (PL), e também para manter em evidência as ações da comissão.
Além disso, após o feriado de Carnaval, os senadores prometem reviver um pouco dos populares e polêmicos depoimentos da CPI, que atraíram grande atenção e se tornaram tópicos mais comentados nas redes sociais.
A CPI da Covid concluiu seus trabalhos no dia 27 de outubro, com a aprovação do relatório. O documento sugere o indiciamento de Bolsonaro e outras 77 pessoas, como seus filhos, ministros de Estado e parlamentares.
Desde então, os senadores que integraram o colegiado centraram as suas ações no Observatório da Pandemia, uma instância para acompanhar o andamento das recomendações do relatório, tanto no âmbito judicial como legislativo.
Mais recentemente, a cúpula da CPI -formada por Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP)- declarou guerra a Aras.
“Pela terceira vez, reencaminhamos as provas, agora com o devido detalhamento. Não encontramos agora nenhuma razão para a Procuradoria-Geral da República se manter inepta”, afirmou Randolfe na quarta-feira (23).
O parlamentar se refere ao pedido mais recente de Aras, de que as informações levantadas pela CPI fossem enviadas com maior detalhamento, indicando de forma separada os supostos autores de crimes, as provas e as tipificações. O material foi enviado.
Os membros da comissão reclamam da série de petições enviadas por Aras ao Supremo Tribunal Federal, que eles consideram meramente protelatórias. Apontam que nenhuma outra instância do Ministério Público exigiu tal detalhamento e que as investigações avançaram nas mãos dos outros procuradores.
Procurada, a PGR diz que desde dezembro do ano passado tem dado seguimento à apuração realizada pela CPI, “como já foi amplamente informado”.
A pressão exercida pela CPI para que as investigações tenham encaminhamento rápido tem sido feita por diversos meios.
O principal são críticas públicas a Aras e até ameaça de pedido de impeachment contra ele. O chefe do Ministério Público também foi alvo de dois requerimentos de convite para prestar esclarecimentos no Legislativo. Como se trata de convite, a presença não é obrigatória.
Senadores pretendem continuar aprovando requerimentos para dar pretexto a um eventual pedido de impeachment, argumentando que Aras teve a oportunidade e se recusou a explicar a falta de ações.
Também houve um pedido de investigação de Aras por suposta prevaricação em inquérito conduzido pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que também investiga o presidente Jair Bolsonaro.
Tanto o impeachment como a investigação são improváveis. Logo após o pedido de Randolfe, o ministro Dias Toffoli decidiu em outra ação que juízes e integrantes do Ministério Público não podem responder por crime de prevaricação no exercício da função.
Mas parte das cobranças feitas por Randolfe, Renan e Omar tem surtido efeito, ainda que pequeno.
Em 9 de fevereiro, o trio se reuniu com o presidente do Supremo, Luiz Fux, para pedir que as dez petições encaminhadas à corte após a entrega do relatório final fossem retiradas do sigilo e transformadas em inquérito.
O pedido dos senadores é incomum, já que é a Procuradoria-Geral da República quem deve, em geral, fazer essa solicitação ao Supremo. Além disso, as petições foram distribuídas a seis outros ministros relatores, e não a Fux.
No STF, os relatores são Rosa Weber, Kassio Nunes Marques, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
Fux não disse aos senadores, à época, se tomaria alguma decisão.
Em decisão assinada na última quarta (23), Kassio atendeu a pedido da PGR e levantou o sigilo da petição a respeito de suspeitas sobre o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara.
No mesmo dia, Rosa Weber também determinou a retirada do sigilo da petição que apura, preliminarmente, se Bolsonaro cometeu crime de charlatanismo. A ministra deu cinco dias para o presidente se manifestar nos autos.
“Mostra-se inequívoco o interesse da sociedade em acompanhar os desdobramentos do relatório final apresentado pela Comissão Parlamentar de Inquérito em questão, máxime quando em jogo ações supostamente ilícitas cuja prática, em tese, foi atribuída à pessoa do chefe de Estado”, disse.
Em paralelo, os membros da CPI decidiram “invadir” a Comissão de Direitos Humanos e usá-la também como forma de fiscalizar as ações do governo na pandemia. A comissão é presidida por Humberto Costa (PT-PE), um dos membros de maior destaque na CPI.
“Quero pedir a anuência dos senadores que compõem a Comissão de Direitos Humanos para que possamos utilizar esta comissão para que, junto com o Observatório da CPI, a gente possa trazer algumas pessoas para explicar algumas questões que estão aí, depois de cem dias, sem explicação nenhuma”, disse recentemente em sessão da comissão Omar Aziz.
O primeiro depoimento da nova fase aconteceu sem muito alarde, com o diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres.
As polêmicas e discussões devem ficar guardadas para os próximos, previstos para depois do Carnaval. Isso porque a comissão aprovou a convocação dos ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
Queiroga vai precisar explicar nota da Saúde que defendeu o chamado kit Covid e questionou a eficácia das vacinas. Damares, por sua vez, será duramente questionada pelas ações de sua pasta contra o passaporte vacinal.
O uso da Comissão de Direitos Humanos foi decidido após uma tentativa frustrada de criação de uma nova CPI da Covid, dessa vez para investigar principalmente falhas na vacinação infantil. O requerimento, no entanto, não obteve as 27 assinaturas necessárias e acabou retirado.
Procurada, a PGR informou por meio de nota que adotou medidas desde o ano passado. Inicialmente, afirma, elas tiveram o propósito de garantir a entrega do material colhido pelos parlamentares conforme os requisitos legais para indiciamento.
Ou seja, diz, com “correlação individualizada de fatos e provas que sustentam as imputações”.
Com a entrega desses pedidos pela CPI no último dia 18, a PGR diz que se abre a possibilidade de análise da higidez e cadeia de custódia das provas pela Polícia Federal e Ministério Público, para decidir quais providências serão tomadas.
“Nesse momento, a PGR tem enviado aos relatores das PETs no Supremo Tribunal Federal manifestações requerendo a abertura de prazo de 15 dias para que os indiciados possam ‘requerer ou apresentar novos elementos de prova a respeito dos fatos investigados'”, diz o órgão.
“Tal medida está prevista no regramento que trata dos inquéritos policiais.”